Crítica

Três diretores foram cruciais na carreira de Marilyn Monroe: John Huston, que a dirigiu no seu primeiro papel de destaque (O Segredo das Jóias, 1950) e no seu último trabalho (Os Desajustados, 1961); Howard Hawks, que ajudou a criar o mito com os filmes O Inventor da Mocidade (1952) e o clássico Os Homens Preferem as Loiras (1953), e Billy Wilder, que talvez tenha sido o que melhor conheceu os prazeres e as dores de trabalhar com a estrela. Os dois juntos realizaram o inesquecível Quanto Mais Quente Melhor (1959), considerada pelo American Film Institute a melhor comédia da história. Mas antes se uniram numa trama cômica bem mais modesta, mas de igual impacto e sucesso: O Pecado Mora ao Lado, obra responsável por mexer com o imaginário de muitos homens e de provocar o tormento em muitas esposas.

A história é absurdamente simples: com a chegada das férias escolares e do verão insuportável de Nova York, muitos pais de família despacham mulher e filhos para o litoral, enquanto que eles permanecem na cidade grande trabalhando para garantir o sustento de todos. Mas do que eles são capazes quando estão sozinhos? Cigarro e bebidas são as maiores tentações a que estes homens solitários serão colocados à prova, ou há perigos muito maiores? Isso é o que irá descobrir Richard (Tom Ewell), o marido abandonado que tem suas convicções de fidelidade abaladas quando, no mesmo dia em que se despede da esposa e do filho pequeno na rodoviária, ao chegar em casa descobre que a nova inquilina do apartamento de cima é uma loira irresistível e atrapalhada – ou seja, ninguém menos do que a própria Marilyn Monroe. É engraçado que seu personagem não possui nome – referem-se a ela apenas como “a garota” – mas, em determinado momento, o marido em apuros se explica, por telefone, para a mulher: “com quem você pensou que eu estaria? Marilyn Monroe?

Filmado quase que inteiramente em estúdio, há poucas cenas fora do apartamento em que ele vive e que a recebe para um drink rápido que acaba se estendendo por dois dias. Um dos poucos momentos de troca de cenário é quando vão ao cinema e, na saída, ela encontra um escape de ar no chão. Ali acontece a cena clássica do vestido branco esvoaçante que... não está no filme! A imagem foi, de fato, registrada e explorada à exaustão no trailer, no cartaz e em muitas fotografias, porém a edição final de O Pecado Mora ao Lado (título curioso, afinal ela vai morar no andar de cima...) praticamente elimina essa sequência, mantendo apenas os pés em saltos altos e o olhar embasbacado do galã improvisado, que a admira assim como praticamente todos os homens da plateia. Brinca-se, portanto, com o imaginário popular, que colabora tanto no entendimento do personagem como também na referência popular da atriz.

O Pecado Mora ao Lado rendeu o Globo de Ouro de Melhor Ator em Comédia para Ewell, além de indicações ao Bafta (o Oscar inglês) para Monroe, como Melhor Atriz, enquanto que Billy Wilder foi indicado como Melhor Diretor no Directors Guild Awards, e junto com George Axelrod (o mesmo de Bonequinha de Luxo, 1961) foi lembrado como roteirista no Writers Guild Awards. Trata-se de reconhecimentos justos e merecidos – o ator é, de fato, o protagonista, e Marilyn, mesmo num papel menor, possui uma presença cênica tão eletrizante que é quase impossível desviar os olhos dela. E com um ritmo intenso e dinâmico, providenciado por um realizador hábil e no domínio do seu jogo, só poderíamos ter como resultado um filme que ainda hoje diverte como poucos, além de ter o privilégio de guardar o registro de um dos momentos mais leves e iluminados de uma estrela imortal.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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