Crítica


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Sinopse

Com o objetivo de conhecer realmente quem é sua tia Adriana, a diretora embarca na história passada e presente dessa mulher que era seu ídolo quando criança. Em 2007, sua tia foi presa por ter trabalhado na polícia secreta de Pinochet. Em 2011, fugiu do país enquanto enfrentava julgamento sobre o assassinato de um importante líder comunista. Em 2015, vive na iminência de uma extradição pelas mãos dos chilenos que vivem na Austrália.

Crítica

A exploração de um tópico de cunho pessoal se apresenta como o caminho natural para muitos documentaristas em seus trabalhos de estreia, seja em função da sensação de segurança que a proximidade com o material talvez ofereça ou mesmo pelo anseio de compartilhar os meandros de seu universo particular com o resto do mundo. O longa chileno O Pacto de Adriana, da cineasta Lissette Orozco, é mais um exemplo dessa tendência, partindo da investigação sobre o passado obscuro de Adriana Rivas, ”La Chany”, tia e figura de referência, quase de idolatria, na infância da realizadora, para inseri-la em um escopo temático mais abrangente, recorrente na cinematografia chilena e ainda pulsante no cotidiano do país: as marcas deixadas pelo regime ditatorial liderado pelo general Augusto Pinochet.

O choque da descoberta de que a tia havia sido uma agente da DINA, a polícia secreta de Pinochet, na década de 70, e das consequentes acusações dos crimes de sequestro, tortura e até assassinato, levou à idealização do projeto por Orozco, com o intuito de fazer justiça à Adriana. Contudo, a crença inicial na inocência da tia termina profundamente abalada ao longo da jornada de cinco anos retratada no documentário, que resulta numa espécie de desconstrução de mito. O símbolo da mulher bela, extrovertida e sofisticada, capaz de fazer com que toda a família se reunisse para aguardar ansiosamente sua chegada no aeroporto, desmorona sob o olhar da cineasta a cada revelação de membros da DINA, da imprensa e dos documentos judiciais que se referem à Adriana como uma pessoa cruel e diretamente responsável por atos abomináveis.

De modo extremamente franco, Orozco expõe a metamorfose gradual de sua percepção, não apenas a respeito da tia, mas também da história de seu país, se colocando na mesma posição de tantos outros chilenos que, bloqueados pelo silêncio, pelo medo e mesmo pela própria barreira dos laços familiares, não conseguiam enxergar plenamente a realidade que os cercava. Essa tomada de consciência é evidenciada em particular no registro da participação da cineasta em dois eventos antagônicos: uma reunião de defensores de Pinochet e uma cerimônia no memorial dedicado às vitimas da ditadura – realizada na data em que o golpe que destituiu Salvador Allende completava quarenta anos – trazendo áudios radiofônicos de 1973 com a cobertura jornalística da tomada do poder pelos militares.

Essa esfera histórica ganha importância e enriquece o longa, porém, o relato íntimo ainda prevalece sobre o conjunto. Lidando com a dificuldade intrínseca de se distanciar do material, Orozco adota uma postura que transmite sinceridade, buscando manter-se racional sem abrir mão da emotividade. Dessa forma, sua empatia pela tia, ou pela figura idealizada da mesma que ainda habitava suas recordações, se torna totalmente compreensível e, por consequência, sua desilusão frente aos fatos apresentados sente-se ainda mais devastadora. Em paralelo ao amadurecimento pessoal, é possível notar também o desenvolvimento de Orozco como realizadora, com a ingenuidade inicial do registro – variando formatos entre câmeras de celular, conversas via Skype e imagens de arquivo – evoluindo para um trabalho mais elaborado esteticamente com o passar dos anos, como nas passagens em que a cineasta divide o espaço com imagens da tia projetadas em uma tela.

Tais sequências antecipam a inevitável, e dolorosa, confrontação final com Adriana, que segue negando as acusações até o último momento, mesmo cercada por contradições e atitudes questionáveis, como sua fuga para a Austrália. Essa postura irredutível chega, em alguns momentos, a suscitar na cineasta uma dúvida genuína, carregada de sentimentos conflitantes, pois, por mais que os crimes dos quais Adriana é acusada sejam desumanos, resquícios de sua humanidade permanecem vivos na memória dos familiares. Memórias enfraquecidas, prestes a se perder por completo, como as da mãe já debilitada – a cena em que se emociona ao lembrar da filha distante “que falava inglês lindamente” é de uma naturalidade tocante – mas que ainda sustentam um forte vínculo. “O vínculo não pode ser destruído, mas se transforma”, afirma Orozco, ela própria uma pessoa diferente ao final de O Pacto de Adriana.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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