Crítica

Realizado em comemoração aos 15 anos do grupo formado por Didi, Dedé, Mussum e Zacarias, O Mundo Mágico dos Trapalhões carrega até hoje o feito de ser o documentário nacional de maior bilheteria de todos os tempos, com quase 1,9 milhão de espectadores nos cinemas. À princípio, poderia se imaginar que o mérito destes impressionantes números seja exclusivamente da incrível popularidade que os comediantes desfrutavam naquela época, início dos anos 1980, quando apareciam semanalmente em um programa de televisão no horário nobre das noites de domingo, além de lançarem a cada seis meses – com precisa regularidade – um novo filme nas telas, todos com excelente retorno de público. Mas é importante observar que o diretor, Silvio Tendler, é também responsável pelo segundo e terceiro filme do gênero mais bem sucedidos no país: Jango (1984), com um milhão de espectadores, e Anos JK (1980), com 800 mil. Ou seja, foi a reunião de duas forças que possibilitou tamanho resultado.

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Mas passados mais de três décadas do seu lançamento, a grande pergunta a respeito é se o longa ainda sustenta tais reconhecimentos. E a óbvia resposta é que não. O Mundo Mágico dos Trapalhões é muito mais o registro de uma época do que um trabalho sólido e digno e interesse próprio. Afinal, tem-se aqui um produto encomendado e de resultado chapa branca, cujo único objetivo era ressaltar a cada vez mais crescente importância da trupe. Os Trapalhões começaram quando Didi e Dedé se uniram, ainda na metade dos anos 1960. Mussum veio já nos anos 1970, e Zacarias apenas no final da década. Ou seja, estes quinze anos que o documentário celebra não incluem nem a metade da trajetória da turma. Haveria ainda pela frente todos os anos 1980 – período em que chegarem ao seu auge – e os 1990, marcados pela lenta dissolução a partir das mortes de Zacarias (18/3/1990) e de Mussum (29/7/1994). Mais do que incompleto em uma perspectiva histórica, no entanto, o que incomoda é o seu falso interesse pelos artistas.

Em resumo: tudo que é visto em O Mundo Mágico dos Trapalhões é resultado de um esforço superficial e abrangente a respeito do sucesso dos protagonistas, mais como um audiovisual voltado à reverenciá-los e propagandear ainda mais seus feitos, preparando o terreno para o que viria a ser realizado num futuro próximo (no ano seguinte fariam Os Saltimbancos Trapalhões, com cenas filmadas em Hollywood). Conta-se um pouco a respeito das origens de cada um – Zacarias era um mineiro do interior que trabalhava no rádio, Mussum o músico dos morros cariocas que relutou até assumir seu lado engraçado, Dedé nasceu no circo e dali vem suas habilidades como um ‘escada’ para o estrelato dos outros, enquanto que Didi é o verdadeiro astro, o que veio de mais longe (Ceará), o que mais sofreu e lutou e, consequentemente, o que mais alcançou. Fica clara a posição de líder de Renato Aragão, até por ter sido ele o responsável pelo longa – que é um produto da Renato Aragão Produções. Se Dedé, Zacarias e Mussum mal falam em depoimentos rápidos, é Aragão que abre as portas de sua casa e conversa em uma entrevista detalhada e minuciosa, preocupado em colocar em evidência tanto suas conquistas como também responder a seus detratores.

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Mas existia quem falasse mal d’Os Trapalhões? É claro, afinal, tudo que faz sucesso também incomoda na mesma medida, ainda mais em um país debilitado pelas equivocadas decisões de quase vinte anos sob o jugo da Ditadura Militar. Porém, até mesmo essas polêmicas – que tipo de humor fazem? São ou não racistas? Ou violentos demais? – são apenas citadas, sem um maior aprofundamento ou reflexão. Há muitas cenas dos filmes por eles estrelados até aquele momento e um pouco sobre suas vidas íntimas – o que permitiram exibir, que fique claro. Mas nada revelador ou de fato surpreendente. Assim, O Mundo Mágico dos Trapalhões se mostra quase tão fantasioso quanto qualquer outro título da filmografia do grupo, fazendo sentido que esteja presente no box de dvd deles, e não no com as obras de Silvio Tendler.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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