Crítica


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Sinopse

Depois de testemunhar um assassinato, uma jovem recém-chegada começa a ter sonhos, visões e desejos bizarros. Ao mesmo tempo, sua mãe, a policial encarregada do caso, cairá gradativamente na real sobre a sua filha.

Crítica

Ao longo dos tempos, a animalização do ser humano surgiu no cinema de inúmeras maneiras. Artistas utilizaram isso, por exemplo, para falar de sexualidade reprimida, como em Sangue de Pantera (1942), ou mesmo a afim de se referir metaforicamente à puberdade, como em Um Lobisomem Americano em Londres (1981) – naquilo que a filósofa Márcia Tiburi chama de “uma leitura biopolítica da adolescência”. Desse modo, a mutação está a serviço de comentários sobre aspectos sociais/humanos expressados por um retorno à irracionalidade – que, assim, não serve unicamente à constituição de uma ameaça sobrenatural. Claro que também há exemplares em que essa animalização é crua, nos quais as simbologias e os subtextos dão lugar a um terror sem tantos intermediários e finalidades figurativos. Mas, O Lobo Viking, objeto desta análise, pertence ao primeiro grupo, ou seja, àquele que utiliza a animalização como lupa para ampliar certos aspectos mundanos dos personagens. A protagonista é Thale (Elli Müller Osborne), garota recém-chegada a uma pequena cidade e que enfrenta problemas. Arredia às aproximações da mãe e do padrasto, sofre pela hostilidade de alguns colegas. É uma adolescente em crise que em breve testemunha uma jovem (exatamente como ela) sendo tragada para a floresta por uma criatura que também a machuca de relance. O episódio tétrico causa um alvoroço na vizinhança.

Pois, é aí que o caldo de O Lobo Viking começa a entornar. Surge a outra protagonista em cena, a mãe de Thale, a policial Liv (Liv Mjönes), responsável por investigar o acontecimento bizarro confirmado adiante pelo cadáver destroçado da aluna até então tida como desaparecida. Ela encara a filha arredia e ainda tem de lidar com as suspeitas de que um lobo está à solta causando pânico na população. Os dramas dessas personagens principais são confluentes, desaguam nos mesmos lugares, seja do ponto de vista fantástico (a caçada) ou da perspectiva familiar (afinal de contas, a turbulência acontece no lar de ambas). E, ainda assim, o cineasta Stig Svendsen (seguindo o roteiro escrito por ele em parceria com Espen Aukan) consegue a “proeza” de dar a impressão de acompanharmos duas jornadas pouco interligadas. Não há grande investimento nos ângulos psicológicos/emocionais, somente uma coleção de lugares-comuns que preenchem a superfície. Mas, antes de mergulharmos a fundo nos desperdícios relativos a essa frágil dinâmica mãe/filha, vamos a um exemplo de excesso de explicação, daquilo que podemos chamar de “gordura”. A cena do homem dizendo ao professor especialista em predadores que a cidadezinha do interior precisa dele para uma análise é pura perda de tempo. Se o personagem (que serve como explicador) simplesmente chegasse à localidade a sua presença seria a mesma.

Seguindo com Thale e Liv. Nenhuma das duas é compreendida como um ser humano complexo atravessado pela força sobrenatural que exterioriza de modo animalesco aquilo que ambas sentem ou passam internamente. O Lobo Viking tenta dar tons de fábula horripilante à relação entre mulheres de estatutos completamente diferentes em meio às suas crises íntimas, sejam familiares ou coletivas. Uma é a policial que recebe novas responsabilidades diante da necessidade de capturar a besta-fera. A outra é a menina assustada que tende a ser ainda mais incompreendida e “estranha” ao perceber que carrega no corpo os resquícios de uma tradição tenebrosa. E o que o realizador faz com essas ótimas possibilidades? Pouca coisa. A angústia da adolescente não é enfatizada como fruto de um turbilhão de coisas. É um desespero solto no ar. Já os problemas da mãe possuem dimensões e pesos bem parecidos: nunca fica claro se ela está mais tensa por conta da atmosfera compartilhada do lugar ameaçado pelo suposto lobisomem ou se isso engatilha as questões familiares que ela conseguiu camuflar até ali. E dá-lhe cenas de peritos explicando tudinho sobre as hipóteses biológicas de metamorfose e um típico “lobo solitário” – decalque do Capitão Ahab, do livro Moby Dick – o homem obcecado pelo monstro. Arquétipos e outras figuras de linguagem são encaixados à fórceps numa produção sonolenta.

Assumindo a pretensão do filme de exteriorizar essa animalidade como estratégia para elaborar os sentimentos em forma de metáfora, podemos dizer que O Lobo Viking é um conjunto de boas possibilidades constantemente sabotadas. A falta de espessura emocional e psicológica dos personagens implode o terço final, no qual os dilemas morais são instituídos para encaminhar o desfecho. Como embarcaremos na dúvida “dilacerante” de Liv entre o amor e o dever se o roteiro nos dá migalhas de acesso ao seu íntimo? De que modo a encruzilhada seria rica sem a prévia investigação de quem é essa mulher, sem sabermos do que ela é feita? Passando à outra protagonista, como vamos embarcar no desespero de Thale se ela é restrita a um modelo de adolescente que, parafraseando a banda Legião Urbana, diz que seus pais não a entendem, mas também não entende os seus pais? Além disso, o cineasta não demonstra muita paciência para cozinhar a indeterminação entre lenda e realidade, revelando a verdade logo e sem cerimônias. E, quando finalmente vemos o tal lobisomem na telona, ele é uma figura mal executada por meio do CGI, cujos movimentos são claramente artificiais, o que reduz o impacto da ferocidade. No fim das contas, mais clichês e estereótipos: a deficiente auditiva com sensibilidade e coragem aguçadíssimas (como se tivesse superpoderes compensatórios) e o pouco elaborado impasse materno.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
3
Leonardo Ribeiro
4
MÉDIA
3.5

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