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Seja na esfera documental ou na ficcional, o cinema do haitiano Raoul Peck se notabiliza pelo teor político e de investigação histórica, característica dominante em trabalhos como Lumumba (2000), uma dramatização da trajetória do líder anticolonialista congolês Patrice Lumumba, e Eu Não Sou Seu Negro (2016), documentário indicado ao Oscar que traça um panorama dos conflitos raciais nos Estados Unidos do século XX tendo como base os textos do escritor James Baldwin. Em O Jovem Karl Marx, Peck direciona sua lente biográfica a uma das figuras políticas mais notáveis e debatidas de todos os tempos, apresentando um recorte de sete anos da vida do filósofo e sociólogo alemão (vivido por August Diehl) que parte de seu exílio na França, aos 26 anos de idade, até a criação do Manifesto Comunista.

Buscando balancear o retrato pessoal ao debate sobre suas ideias, Peck adota como amarra dramática central a amizade entre Marx e Friedrich Engels (Stefan Konarske), co-autor do Manifesto. Uma relação de princípio conflituoso, mas que rapidamente evolui para a admiração e respeito mútuo. O desenvolvimento da dinâmica entre os dois camaradas é um dos elementos que evidenciam a opção do cineasta pelo didatismo que acaba por envolver todo a projeção, levando a uma exposição de fatos e conceitos dotada de intuito instrutivo, porém, sem oferecer um aprofundamento expressivo. Ainda que sua simpatia pelo pensamento marxista seja perceptível, Peck evita o tratamento ufanista ou panfletário. Pelo contrário, o tom impresso sobre a obra é extremamente sóbrio, se mostrando convencional tanto em termos narrativos quanto formais.

A reconstituição de época desglamourizada, com seus ambientes internos decadentes e pouco iluminados, como o do próprio apartamento que Marx divide com a esposa, Jenny (Vicky Krieps), ou o do bar dos trabalhadores irlandeses onde Engels conhece sua companheira, Mary Burns (Hannah Steele), serve à criação da sensação de os personagens estarem vivendo às margens, às sombras, fugindo da censura e da opressão. Contudo, Peck não encontra outros grandes achados visuais, aderindo a um registro clássico e impessoal. No âmbito da estrutura narrativa, o longa se desenvolve episodicamente, partindo do pressuposto de estar lidando com um público leigo para, através dos sucessivos encontros com Marx, apresentar e contextualizar uma série de nomes históricos, como Proudhon, Bakunin e Weitling. Essa funcionalidade no modo como são inseridos na trama faz com que a maioria destes personagens soe unidimensional, assumindo a forma de meros verbetes enciclopédicos.

É somente no ato final, quando Peck busca construir a expectativa em torno do clímax – a concepção do Manifesto Comunista e a adoção do tratado como plataforma da Liga dos Comunistas – que o longa ganha alguma força dramática. A exploração das contradições pessoais – especialmente no caso de Engels, filho de um poderoso industrial, que, mesmo se posicionando ao lado dos direitos da classe operária, encontra dificuldades para confrontar o pai diretamente – bem como das próprias divergências entre os pensadores da esquerda, contribui para que as discussões ganhem em substância. É também esse embate entre vertentes distintas, com Marx representando a ala mais radical, defendendo a ação além das palavras, que o eleva a uma posição de destaque, ganhando a antipatia de alguns e a afeição de tantos outros.

Na pele do alemão, Diehl se esforça para gerar empatia e transmitir complexidade, ainda que o aspecto pedagógico do trabalho de Peck se imponha sobre sua figura. Assim, O Jovem Karl Marx termina cumprindo corretamente o papel – pouco ambicioso, é verdade – de resumo introdutório ao tema a que se propõe, se entregando a uma solenidade que não permite a manifestação plena da intensidade passional encontrada em trabalhos anteriores do cineasta, como o citado Eu Não Sou Seu Negro, e que aqui surge apenas de relance nos créditos finais. A sequência, uma montagem com imagens históricas de conflitos sociais embalada por Like a Rolling Stone, na voz de Bob Dylan, na qual o lado documentarista de Peck aflora, por mais que possa parecer deslocada, se revela mais evocativa e vigorosa do quase tudo que a precede.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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