Crítica
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Sinopse
Jaume e Raquel, casal exemplar, organizam um encontro às cegas com Rubén, um amigo neurótico e depressivo, separado há dois anos. A mulher que vai a esse encontro coloca de cabeça para baixo o relacionamento deles, mudando tudo o que acreditavam.
Crítica
Não é preciso ir além da autoapresentação do protagonista em O Homem Ideal? para constatar a influência de Woody Allen. Assim como os tipos neuróticos vividos pelo artista nova-iorquino, Ruben (Carles Alberola) é integrante da fauna intelectual e classe média da região onde mora, no caso Valência, na Espanha. Porém, as semelhanças não param por aí, pois esse sujeito está às voltas com dificuldades amorosas que passam inevitavelmente por questões concernentes à autoestima. No que diz respeito à produção, o ator principal também é o diretor, assim como Allen em muitas de suas obras mais reconhecidas. Por fim, a inspiração igualmente pode ser sentida nos diálogos rápidos, mordazes e frequentemente autodepreciativos que entrecortam configurações afetivas propensas a gerar absurdos e desencontros. Algo como 90% do filme, cuja base é uma peça teatral, acontece no apartamento desse cinquentão em busca de amor e carinho.
Em O Homem Ideal?, Ruben é ajudado por Raquel (Cristina García) e Jaume (Alfred Picó), os melhores amigos que aceitam participar da estratégia para desencalhar o amante da ficção. Todavia, esse molho doce com toques ácidos se torna mais espesso na medida em que verdades são reveladas e as concepções que respondem à idealização de relacionamentos caem por terra. Traições, insatisfações matrimoniais, dificuldades de aceitar a passagem do tempo que, de acordo com convenções, arrefece a vocação para suscitar desejo, tudo isso é bem articulado nessa ciranda espirituosa encabeçada por um pessimista frequentemente contradito por si próprio. Sim, pois o dono do apartamento é alguém que, a despeito da plena consciência das aleatoriedades da vida, ainda nutre uma paixão romanesca pela capacidade de enamora-se, soltando pérolas como a defesa de uma eletricidade que percorreria corpos cientes, afinal, de serem feitos um para o outro.
A entrada em cena de Pilar (Rebeca Valls), irmã de Raquel, desenhada como refém de severos problemas psicológicos, permite a exploração de outros terrenos, como o caráter insondável do desejo e as mentiras contadas a fim de manter saudáveis estruturas atendentes a anseios socialmente asfixiantes. O Homem Ideal? molda bem estereótipos, os apresentando e, gradativamente, desbastando-os de suas características mais aparentes, assim os reduzindo e nesse processo revelando a humanidade. A mulher tida como volátil, capaz de provocar abalos sísmicos na dinâmica estabelecida entre os personagens, revela constantemente sua erudição, o apego pelos pensadores clássicos. Bem ao sabor dos filmes de Woody Allen, ao amor é impossibilitado um lugar cartesiano, porque a ele é reservado o espaço da incompreensão e da inevitável mutabilidade. Não se pode racionalizar sobre tudo, especialmente acerca dos impulsos que mobilizam e causam frisson.
O desempenho do elenco, como um todo, é o grande pilar de O Homem Ideal?, com destaque a Carles Alberola que cria um tipo cativante, sobretudo por conta da forma desbragada com que deixa expostos defeitos e fragilidades. O ator valoriza o potencial cômico de certos diálogos, adicionando a eles uma pegada cáustica de vez em quando, mas não perdendo de vista a ternura injetada nas pessoas. A predileção pela ficção, por esses mundos inteiros que podem ser criados a fim de completar as lacunas ou de estabelecer novas conjunturas diante da crueza da realidade nem sempre atraente, é um atributo que poderia ser mais bem trabalhado. Este é verbalizado num par de ocasiões no decurso do enredo, mas ganha importância apenas na bonita e terna cena final. Ainda assim, se trata de um filme delicioso, no qual a utopia calcada nos ideais cai por terra e os vínculos são observados, também, a partir de ruídos e senões que não devem ser de absolutamente ignorados.
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