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Sinopse

O mago Gandalf e os 13 anões que formam a companhia recrutam o hobbit Bilbo Bolseiro para uma jornada até a Montanha Solitária, onde tentarão recuperar os pertences dos anões que foram roubados pelo dragão Smaug.

Crítica

Há tanto a ser dito sobre O Hobbit: Uma Jornada Inesperada que é um tanto difícil saber por onde começar. Primeiro: temos um bom filme? Sim, isso de fato o é. Agora, sua realização se justifica? Infelizmente, não no formato como foi planejado. Isso porque só pelo fato de voltarmos ao mesmo universo de J.R.R. Tolkien tão bem recriado em O Senhor dos Anéis pelas mesmas mãos do oscarizado Peter Jackson é um feito e tanto. Mas a impressão que se tem é de que até o realizador ficou por demais encantado com essa nova oportunidade de visitar a Terra Média que não conseguiu ter o distanciamento imprescindível para, além de criar uma obra de e para fãs, fizesse também um filme que se sustentasse por si só, do mesmo modo como foi feito com cada um dos episódios da trilogia original. A decisão de dividir o livro O Hobbit – que possui menos do que a metade das páginas do tríptico O Senhor dos Anéis – também em três adaptações cinematográficas, tendo cada uma cerca de três horas de duração, teve um efeito contrário ao que foi visto nas produções anteriores: ao invés de uma edição precisa que eliminou o desnecessário e manteve apenas o essencial, agora há um incrível e não justificado alongamento dos fatos, além da adição de outras situações elaboradas especialmente para essa versão audiovisual e que, no contexto geral, pouco acrescentam à trama. Ou seja: pecou-se pelo exagero.

A história de O Hobbit se passa antes daquela vista em O Senhor dos Anéis. No começo desta, o hobbit Bilbo Bolseiro entrega ao sobrinho Frodo o Um Anel, conferindo-lhe a missão de destruí-lo, custe o que custar. Mas como um objeto tão precioso e poderoso foi parar nas mãos de uma das criaturas mais discretas e pacatas de todo o mundo? Isso é o que se propõe responder a nova trilogia. No prólogo de Uma Jornada Inesperada ficamos a par da ascensão e queda do Reino dos Anões. Seres fortes, valentes e muito ricos, foram derrotados pelo dragão Smaug, que os expulsou da Montanha Solitária para tomar posse de todo o ouro que possuíam. Após mais de meio século sem lar, treze deles – liderados pelo príncipe Thórin (Richard Armitage) e reunidos pelo mago Gandalf (Ian McKellen), decidem partir de volta à antiga casa para reclamar por aquilo que a eles pertence, mesmo que para isso tenham que lutar até o último suspiro. Gandalf, no entanto, está convencido da falta de um décimo quinto elemento neste grupo, e é por isso que acaba sendo recrutado o hobbit Bilbo, o menos provável dos convidados.

O roteiro de Uma Jornada Inesperada é muito similar ao de A Sociedade do Anel (2001): começa-se no condado dos hobbits, mostrando uma vida pacata que em breve será abandonada. Nos dois filmes essa paz é alterada com a chegada de Gandalf, para em seguida partirem pela estrada rumo ao impossível. Após muitos perigos, encontram refúgio e descanso junto aos elfos – e neste ponto será bom rever os rostos familiares de Cate Blanchett e Hugo Weaving, mais uma vez como os poderosos Galadriel e Elrond – para em seguida irem adiante na missão que escolheram. Enquanto persistem, se deparam com figuras ameaçadoras, como orcs selvagens e trolls gigantes, além de serem obrigados a lidar com outras surpresas desagradáveis, como a volta de antigos inimigos, a necessidade de cruzar despenhadeiros íngremes e até o surgimento de um velho conhecido dos fãs da saga: o monstruoso e trágico Gollum, que após um jogo de adivinhações mal sucedido acaba perdendo o seu “precioso”, dando início a uma peregrinação que só terá fim muitos anos – e filmes – depois.

Dessa vez, muito se passa entre os diferentes integrantes da turma de anões. Se na trilogia original pouco ficamos sabendo sobre estes seres, restringindo o acesso do público somente ao que era relatado por Gimli (John Rhys-Davies), um dos últimos sobreviventes da raça, agora não somente entramos em contato direto com eles, como também entendemos melhor suas motivações, a antiga rixa com os elfos e a valentia destemida e incontrolável. Armitage, como o líder Thórin, tem uma presença de impacto, servindo como ótimo contraponto à sabedoria que McKellen mais uma vez demonstra como Gandalf, o Cinzento, e à bela adição de Martin Freeman como o protagonista Bilbo. Este consegue combinar a inocência e o espírito bravo do personagem, agora em sua versão rejuvenescida. A sinergia que demonstra com o intérprete anterior – Ian Holm, em participação especial – é palpável, e a substituição de um pelo outro para que a história pudesse ser contada é tão eficiente que de imediato ganha-se pontos. A participação de outros integrantes do elenco original, como Elijah Wood (Frodo) e Christopher Lee (Saruman), além de recém chegados como o mago Radagast (Sylvester McCoy) ou o elfo Thranduil (Lee Pace), são também acréscimos importantes que conferem ainda mais relevância à produção.

O principal problema de O Hobbit: Uma Jornada Inesperada, portanto, é a necessidade imposta pelo realizador de se estender de forma demasiada durante esta primeira visita, num passeio muito mais longo do que o justificado. O enredo, de forma bem resumida, acompanha a formação do grupo com anões, mago e hobbit, o início desta trajetória de volta para casa, um ou outro perigo que enfrentam pelo caminho, a visita aos elfos e, por fim, a primeira visão da Montanha Solitária, destino que deverão alcançar somente no filme seguinte, a ser lançado no final de 2013. Para rechear este percurso, surgem as mais diversas distrações, poucas, no entanto, colaborando de forma efetiva para a criação de conteúdo. Por momentos é mais um videogame, com correrias repletas de virtuosismo, mas que terminam sempre no mesmo lugar: com todos reunidos e prontos para mais um passo adiante.

Revisitar este cenário mágico repleto de fantasia justifica qualquer esforço. A criação de Tolkien combinada com a visão única de Peter Jackson já produziu três longas irretocáveis, donos de 17 Oscars e de quase 3 bilhões de dólares somados nas bilheterias de todo o mundo. O Hobbit: Uma Jornada Inesperada deve atingir resultados semelhantes, porém não superiores. A expectativa gerada nestes dez anos que separam uma trilogia da outra certamente será recompensada – se não pela crítica, ao menos pelo viés financeiro – mas por outro lado é quase impossível não pensar em outra saga tão cara que, quando retomada anos depois justamente para narrar seu início, frustrou mais gente do que se poderia imaginar. No entanto, se Star Wars seguiu viva e ainda conseguiu dar a volta por cima ligando todos os pontos até então soltos, a esperança dessa vez é ainda mais forte, pois o texto genial já foi escrito. Basta, nos dois próximos episódios, inventar menos e se guiar mais pelo que há décadas vem sendo aclamado por leitores de todo o mundo. Material para isso, evidentemente, há de sobra.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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