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Sinopse

Júlio César de Melo Pinto, o operário negro que foi executado em Porto Alegre pela Polícia Militar, nos anos 1980. A história do jovem é contada através de depoimentos como o de Ronaldo Bernardi, o fotógrafo que fez as imagens que tornaram o caso conhecido; o da viúva do operário, Juçara Pinto; e de nomes respeitados da luta pelos direitos humanos e do movimento negro no Brasil.

Crítica

Júlio César de Melo Pinto era um jovem homem negro, trabalhador, casado. Sua esposa, Juçara Pinto, comenta que ele era tímido, um rapaz quieto. Na noite de 14 de maio de 1987, um assalto aconteceu em um mercado em Porto Alegre. Dois criminosos estavam dentro do local e o confronto se deu quando a polícia militar chegou. No meio da confusão, uma multidão se juntou para ver o que acontecia. Dentre essas pessoas, Júlio César. Com histórico de convulsões, o rapaz sofreu um ataque de epilepsia naquele momento. Segundo os relatos, populares o apontaram erroneamente como envolvido no assalto e as autoridades o prenderam. No momento da captura, o suposto criminoso estava sangrando, por conta da queda no chão devido ao ataque convulsivo. Ele foi levado na viatura e, meia hora depois, estava morto, no hospital, com dois tiros. Como isso poderia acontecer? É essa história que o ótimo documentário O Caso do Homem Errado, dirigido por Camila de Moraes, conta em seus 77 minutos de duração.

Através de depoimentos com pessoas que presenciaram o fato – como o repórter fotográfico da Zero Hora Ronaldo Bernardi, junto de amigos e familiares da vítima – o filme denuncia a brutalidade da polícia militar, que executou Júlio César naquela noite de 1987, e ainda tece paralelos com a realidade dos jovens negros nos dias atuais. Com estatísticas alarmantes, Camila de Moraes e sua equipe trazem à tona um verdadeiro genocídio no que tange a juventude afro-brasileira. Em tempos de black lives matter, movimento internacional que clama pela importância da vida de mulheres e homens negros, O Caso do Homem Errado vem totalmente ao encontro dessa iniciativa.

A emoção dos depoentes – como o irmão de criação de Júlio, conhecido como Baiano; ou a viúva – mostra que mesmo passado tanto tempo do ocorrido, ainda existem feridas não cicatrizadas dentro das pessoas que viveram diretamente aquele crime. Já se passaram mais de 30 anos do caso e é difícil não ficar indignado pela injustiça cometida com Júlio César. E, como diversos entrevistados apontam no filme, essa é uma realidade que está longe de ser pretérita.

Camila de Moraes acerta no tom ao buscar o maior número possível de depoimentos e, mesmo que em alguns momentos as falas acabem por se repetir, isso não soa como descuido, mas uma forma de ressaltar pontos particulares daquela história. Destacam-se as participações dos jornalistas Renato Dornelles, Vera Daisy Barcellos, João Carlos Rodrigues e do já citado Ronaldo Bernardi, o professor e ex-secretário da educação Waldemar Moura Lima e o advogado e ex-procurador da república Luiz Francisco Correa Barbosa. Em uma sacada interessante, Camila vai às ruas e relembra os transeuntes a respeito do caso de Júlio César. “Até quando? Exigimos Justiça” está grafado no cartaz empunhado por ela. Difícil entender apenas porque as fotos dos jornais da época foram deixadas para o final e não serviram de material de apoio no início do filme, quando a história estava sendo contada – até a aparição das imagens, imaginava-se que um veículo como a Zero Hora não havia dado autorização para mostrá-las, o que seria lamentável.

Tendo iniciado o projeto como um curta-metragem, e o expandindo por conta do material capturado, Camila e sua equipe trazem uma história que não poderia nem deveria ser esquecida. O filme ganha ainda mais importância por ser apenas o segundo longa-metragem brasileiro dirigido por uma mulher negra a chegar ao circuito comercial do Brasil. A produção, assinada por Mariani Ferreira (que também é corresponsável pelo roteiro, junto de Camila e Maurício Borges de Medeiros), foi apresentada no Festival de Cinema de Gramado em 2017 e ganhou prêmio de Melhor Filme no Festival Internacional de Cine Latino, em Punta Del Este, no Uruguai. O filme encerra de forma pungente com um depoimento muito sensível e franco de Juçara, que mostra como sua vida foi interrompida com a perda do marido. O Caso do Homem Errado é aquele tipo de trabalho que ganha elogios não só por conta de suas qualidades estéticas e formais, mas por ser um documentário necessário.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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