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Sinopse

Ex-jogador de basquete e técnico de um time de ensino médio, Jack tenta encontrar entre os jovens com os quais trabalha o estímulo para seguir em frente e refazer sua vida. Sua carreira outrora promissora foi precoce e tragicamente comprometida pelos vícios, algo que ele não quer para seus pupilos.    

Crítica

Se fosse lançado 25 ou 30 anos atrás, O Caminho de Volta (2020) poderia ter conquistado um grande sucesso. Não é difícil imaginá-lo sendo coroado no Oscar, rendendo uma estatueta de melhor ator a Ben Affleck, seduzindo os críticos e se tornando um referencial inspirador ao público, antes de se converter num clássico da TV aberta. No entanto, a desvantagem deste drama esportivo consiste em seu lançamento no momento em que o subgênero da equipe-fracassada-que-dá-a-volta-por-cima-contra-todas-as-expectativas-graças-a-um-treinador-desacreditado está em desuso, e já foi bem executada pelo menos quinze vezes antes dele, seguindo exatamente os mesmos códigos. Entretanto, o diretor Gavin O’Connor realiza este projeto com a seriedade de quem está apresentando o formato pela primeira vez. Todos os passos esperados se fazem presentes: o convite feito a Jack (Affleck) para comandar uma equipe esportiva amadora, a batalha contra o alcoolismo, o trauma devido à perda do filho, o treinamento duro e pouco ortodoxo com os garotos, o crescimento exponencial da equipe, as vitórias que se acumulam jogo após jogo, os riscos de o treinador ser afastado pelo consumo de álcool.

A direção aposta numa ambientação melancólica, como se o mundo do protagonista se resumisse a perambular por casas sombrias, andar cabisbaixo em quadras vazias, pedir seu drinque silenciosamente no bar. Jack é filmado à distância, por lentes teleobjetivas, dando a impressão de ser espiado. A presença em cenários maiores do que ele, frequentemente vazios, reforça o aspecto de solidão e de deslocamento na sociedade. Em paralelo, a repetição de cenas (o banho com uma latinha de cerveja dentro do box, o álcool disfarçado na caneca de café, a chegada ao bar habitual) produz a ideia de cansaço e de ciclo vicioso, pertinentes à vida do ex-atleta. A direção de fotografia orna cada imagem com flares ostensivos, enquanto a trilha sonora de pianos tristes sublinha a dor do homem que perdeu o filho pequeno para uma doença, e depois perdeu a esposa devido ao desgaste do luto. A direção de arte reforça a caracterização de um sujeito desleixado, de rosto vermelho e inchado pela bebida, com os dedos encardidos do trabalho paralelo numa construção civil. O’Connor investe a fundo na aparência de um filme triste sobre a incomunicabilidade e a necessidade de redenção. A decadência de Jack também serve a tornar sua redenção ainda mais espetacular.

Trata-se de uma estética funcional, fruto de um trabalho cuidadoso de produção e de um protagonista muito bem dirigido. É impressionante como Ben Affleck evoluiu enquanto ator, deixando de ser um motivo de chacota na indústria para se tornar um intérprete dramático de respeito. Apesar das inúmeras oportunidades para exagerar nas dores de Jack, ele mantém o olhar mareado e uma postura de resiliência condizentes com o estilo da direção. Na verdade, é difícil apontar elementos que soem mal executados neste projeto. O ponto que incomoda, ironicamente, seria o fato de conter todos estes elementos, além de algumas câmeras na mão para imprimir urgência, desfoques na profundidade de campo para representar a visão limitada do personagem e belas paisagens exploradas em scope. O Caminho de Volta se torna uma obra profundamente previsível. Não se trata apenas da história contada, mas também da maneira como é contada. O’Connor não se arrisca em momento algum, em uma única cena que seja. Por isso, apresenta um resultado tão correto (no sentido de acadêmico, competente) quanto genérico, desprovido de personalidade. Este drama se assemelha a uma colagem de cenas de outros projetos semelhantes, incluindo o mesmo discurso inspirador na hora que os garotos enfrentam uma equipe mais experiente, o mesmo pedido de desculpas quando Jack enfim expia a dor de perda do filho, os mesmos problemas familiares dos atletas para os quais o treinador se tornará uma figura paterna.

Às vezes, filmes francamente ruins deixam uma marca mais duradoura na lembrança por terem se arriscado num caminho pessoal. No entanto, em termos cinematográficos, este projeto se contenta com pouco. Ainda mais curiosa é a inserção de uma mensagem cristã rumo ao final – seria esta a forma de atualização aos novos tempos concebida pela direção? Além de a equipe de basquete fazer parte de uma escola católica, a trilha sonora tristonha e a conclusão ao pôr do sol reproduzem mecanismos clássicos do cinema de redenção e encontro com Deus. Não por acaso, a equipe faz uma oração católica ao final, quando se tornaram um time de respeito. Logo em seguida, jogam muitíssimo bem, como profissionais. O drama não investe apenas na esperada mensagem de crença em si mesmo e no potencial do esporte enquanto meio transformador dos indivíduos. Ele também defende a necessidade do perdão, a importância da família acima de tudo (vide a conclusão das histórias pessoais de Jack e de Brandon), o poder da força de vontade contra o vício, o valor dos “males que vêm para o bem”. Jack não apenas se reinventa ou faz as pazes com o passado: ele se cura, expia seus pecados, abraça a caridade alheia. Assim, o roteiro se assemelha às “intervenções” religiosas comuns nos Estados Unidos, quando pessoas próximas decidem o que é melhor para você e o arrastam para o tratamento julgado conveniente.

Não há nada errado nesta pregação: entre tantas manifestações pouco refinadas de cinema cristão em cartaz, esta ainda consiste uma das mais interessantes, devido à disposição em mergulhar na psicologia do personagem ao invés de simplesmente julgá-lo por sua conduta. O Caminho de Volta também evita a tentação de casar o treinador com alguma boa moça que o coloque nos trilhos, ou ainda de oferecer, mesmo que informalmente, um filho adotivo para Jack na pele de algum jogador com problemas em casa. O projeto evita os excessos melodramáticos enquanto busca manter o tom de sobriedade, alternando as trilhas de pianos com instantes de silêncios, e as crises emotivas com momentos de apatia. Há muito o que se admirar neste projeto, com exceção de um elemento fundamental: seu impacto na sociedade em que se insere. Como seria o subgênero do drama esportivo adaptado aos Estados Unidos atuais – ao cinema do século XX, às novas tecnologias, ao tempo de redes sociais, de cenário geopolítico agressivo, às fobias sociais? O que levaria um cineasta respeitado como O’Connor a investir meses – ou anos – num filme que sequer se destaca dentro de sua trajetória, que não impressiona entre outros dramas disponíveis no cinema? Se os garotos jogassem de modo tão seguro quanto o diretor o faz, dificilmente colheriam os louros do campeonato.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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Bruno Carmelo
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Chico Fireman
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