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Sinopse

Em um bar no centro de Madri, várias pessoas tomam café da manhã tranquilamente, como de costume. Mas, quando um dos clientes leva um tiro na cabeça ao colocar os pés fora do local, o clima de tensão invade o local. Agora eles estão presos, já que temem sair do bar e também serem mortos. O problema é que a convivência com estranhos pode ser tão perigosa quanto se arriscar do lado de fora.

Crítica

O humor subversivo e a fantasia grotesca sempre foram os pilares do cinema do espanhol Álex de la Iglesia. Mesmo que por vezes pendendo mais para um ou para outro, suas obras conseguem explorar esses elementos com resultados geralmente bem equilibrados. Em O Bar o diretor segue fiel à sua receita, mesclando o suspense de câmara e a sátira social ao colocar um grupo de clientes e a dupla de funcionários de um bar na região central de Madri em meio a uma situação absurda. Reunidos no local por motivos particulares banais, como tomar um café ou carregar a bateria do celular, essas figura têm sua aparente paz abalada pela brutalidade inesperada, no momento em que um homem é baleado ao sair do bar. O pânico e a incredulidade só aumentam quando um segundo cliente, indo ao socorro do primeiro, também é morto com um tiro na cabeça em plena luz do dia.

Obra de um atirador solitário? Um atentado terrorista? Aflitos em isolamento, os integrantes do grupo começam a levantar hipóteses para o ocorrido, evoluindo para teorias mais fantasiosas, como invasões alienígenas, ira divina ou vírus mortais, quando se dão conta do desaparecimento inexplicável dos corpos na calçada. De la Iglesia estabelece esse clima introdutório de incerteza de modo efetivo, assim como a apresentação e inserção na ação de boa parte dos personagens já na cena inicial. O plano-sequência em que quase todos se cruzam na rua antes de entrar no bar possui o ritmo ágil, beirando o frenético, que marca o estilo do cineasta – e que remete à sequência do assalto na abertura de seu As Bruxas de Zugarramurdi (2013). A resposta para os acontecimentos bizarros, contudo, acaba não sendo o foco principal do longa, com as possibilidades para o humor sarcástico e situações regadas à violência cartunesca se impondo sobre o suspense.

Mesmo que revelada, ao menos parcialmente, ainda na metade da projeção, a resolução do mistério não importa tanto a De la Iglesia quanto aquilo que os desdobramentos da mesma acabam impondo aos personagens. É no prazer de jogar com a histeria dominante e com as mudanças de percepção do espectador sobre os estereótipos que compõem o grupo – a bela esnobe (Blanca Suárez), o nerd/hipster (Mario Casas), a viúva solitária (Carmen Machi), o empregado submisso (Secun de la Rosa), o mendigo lunático (Jaime Ordóñez) ou o ex-policial “levemente fascista” (Joaquín Climent) – que o cineasta se concentra. Até mesmo as regras pré-estabelecidas do subgênero do suspense de câmara são deixadas de lado, ou adaptadas, pelo espanhol em favor desse olhar sobre as reações humanas frente a situações extremas, como a luta pela sobrevivência. Por mais que só saia às ruas, efetivamente, na primeira e na última cena, De la Iglesia encontra uma maneira de ampliar a ambientação reduzida do bar, não apenas pelo propósito de expansão da ação, mas também por um significado metafórico.

O deslocamento para baixo no espaço físico – para o porão, para o esgoto – simboliza também uma descida moral, um rebaixamento dos personagens a atitudes cada vez mais condenáveis pela manutenção de suas vidas, na qual interesses individuais quase sempre prevalecem sobre os coletivos. A verdadeira graça do filme – e o grande trunfo de seu realizador – está na desconstrução constante das expectativas em relação a essas atitudes, baseada naquilo que se espera dos arquétipos sugeridos. Estes, mesmo operando na maior parte do tempo em um tom intencionalmente exagerado, revelam uma humanidade genuína – com o auxílio dos diálogos sagazes e de um elenco competente – justamente por não se prenderem a uma representação definitiva de heróis ou vilões, de bons ou maus. Assim, as surpresas surgem muito mais do comportamento dos protagonistas do que do desenvolvimento do enigma central da trama.

Com essa abordagem, O Bar consegue trazer a tona debates sobre questões sociais como o conflito de classes, na relação patroa/empregado do bar, ou a xenofobia – com o jovem de barba carregando uma mochila não demorando muito a ser enxergado com um possível fanático muçulmano. E mesmo quando parece propenso a definir lados, separando o grupo da “ala conservadora” do resto, De la Iglesia constrói mais uma boa reviravolta. No ato final, o cineasta não resiste ao mergulho no grotesco – de sangue e detritos – que lhe é tão caro desde seus trabalhos iniciais, como o cult Ação Mutante (1993), encaminhando o longa para um desfecho que novamente abre mão de explicações macro para se ater ao ponto de vista humano com uma boa dose de ironia. Através da personagem que surge em meio à multidão como uma figura completamente oposta, na aparência e no juízo que dela poderia ser feito, do início, De la Iglesia parece querer mostrar que, em sua essência, as pessoas talvez sejam muito mais parecidas do que imaginam.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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