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Sinopse

Inícios dos anos 1990, Brasil. Apesar de ter retornado à democracia, o país ainda vive uma época de extrema instabilidade política e incerteza geral. Em meio a este clima de desconfiança, uma jornalista descobre segredos podres sobre o presidente do país, que ameaçarão ainda mais o frágil equilíbrio da nação.

Crítica

O rapaz arruma os últimos detalhes. Cada peça deve ser ajustada milimetricamente em cima da mesa. Os pratos, taças, talheres, guardanapos e arranjos: nada pode estar fora de lugar. Entre uma das suas idas e vindas até a cozinha, a dona da casa se aproxima, imaginando-se sozinha. Quieta, apenas conferindo com o olhar a arrumação impecável, começa a chorar. Assim que as lágrimas começam a desfazer sua maquiagem, ela tenta de conter, retornando à posição de segurança inicial. O garoto a observa a uma distância segura, sem interrompê-la, mas tornando evidente sua presença. Há desafio nele, e um desejo por controle nela. Ele tem um papel a cumprir. E ela, uma batalha a vencer. Afinal, O Banquete está prestes a começar. E mais do que um jantar, o que de fato será servido são segredos e mentiras, medos e revelações, vontades e descobertas. E ainda que tais elementos nem sempre sejam oferecidos na medida certa, a sentimento de satisfação será evidente ao seu final.

Em 1991, o diretor de Redação do jornal A Folha de São Paulo escreveu uma carta aberta ao então presidente da República, Fernando Collor de Melo, acusando-o de tentar intimidar um órgão de imprensa. O texto foi publicado na primeira página da edição de quinta-feira, 25 de abril. Este fato procede e é apontado, por historiadores e estudiosos, como a gota da água que faltava para o copo transbordar, dando início ao processo que acabaria, naquele mesmo ano, com a renúncia do governante do mais alto cargo da política nacional. Daniela Thomas, diretora de O Banquete, decidiu situar a trama do seu filme exatamente na noite deste dia fatídico. Tudo que havia para ser dito já fora exposto, e estava na boca de todos. O que aconteceria a seguir era a maior dúvida? Haveriam represálias? O jornalista acabaria preso? Como a Lei de Imprensa seria interpretada neste caso?

Reunidos, ao redor desta mesma mesa, estão os anfitriões e o casal homenageado – o editor e sua esposa, uma atriz – que estão comemorando dez anos de casados. Além destes, há também dois colunistas do veículo impresso, um social e outra de teatro. Uma garota de ocasião acaba chegando sem aviso, e a auxiliar da artista se junta ao grupo ao final. Não há espaço para mais ninguém. E naquele ambiente irão se devorar e se auto alimentarem continuamente, até não aguentarem mais o círculo vicioso. Teme-se pelo futuro, da mesma forma em que se vasculha o passado de cada um. Quem nada tem a perder pode investir em flertes irresponsáveis, ao mesmo tempo que quem julga ter culpa no cartório fará de tudo para lidar com o desconforto de ser colocada frente a frente daquela que tanto inveja quanto admira. Em questão, acima de tudo, está o jogo do poder. E sexo. E não será bebendo até a última gota, nem se escondendo atrás das plantas, que será possível impedir que a verdade encontre o seu espaço e, enfim, se manifeste.

Daniela Thomas e seus atores podem disfarçar, mas é evidente que o filme tem muito a dizer sobre o Brasil, tanto o de hoje como o de quase trinta anos atrás. As referências a Otávio Frias Filho e demais figuras ao seu redor são tão nítidas quanto circunstanciais. Afinal, O Banquete fala sobre elas, mas não se restringe ao que protagonizaram, indo além do óbvio. É como se o episódio verídico fosse usado apenas como uma desculpa para debater assuntos mais urgentes e duradouros. A atenção está na dinâmica entre estes corpos, ora em combate, ora em legítima entrega. Uns tentam escapar, outros correm pelas bordas, enquanto que, no centro da ação, uma luta campal está sendo travada, a última de uma longa guerra que parece pronta para se deparar com seu desfecho. Ninguém sairá do confronto vivo. Nem mesmo quem ousar cantar a vitória dentre tantos destroços.

Parceira de profissionais tarimbados como Walter Salles e Felipe Hirsch, Daniela Thomas tem marcado sua trajetória como cineasta em voo solo com polêmicas e controvérsias. Vazante (2017) motivou debates acalorados no Festival de Brasília, enquanto que O Banquete acabou se retirando na última hora do Festival de Gramado. Uma pena, principalmente pelos atores, todos com boas chances de terem suas performances reconhecidas. Afinal, ainda que o texto seja forte e a direção precisa – como esconder a câmera daquele espelho enorme? – este filme é um prato cheio para atuações irrepreensíveis. Caco Ciocler e Rodrigo Bolzan compõem tipos arrebatadores – um pelo excesso, outro pelo mínimo – enquanto que Gustavo Machado e Chay Suede divertem mais pelos olhares e posturas do que o resto. No entanto, o embate se dá com toda a força entre Fabiana Gugli (pronta para desmoronar ao menor sinal), Mariana Lima (maior do que a vida) e Drica Moraes (dominando cada instante em cena). Por eles, o filme já valeria. Felizmente, tem-se mais à disposição. E nem precisaria da sobremesa (seu diálogo com episódios reais) para o deleite ser completo.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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