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Sinopse

Membro do alto escalão da máfia russa, Dima pede asilo político na Inglaterra. Em troca, oferece nomes de políticos, banqueiros e advogados britânicos envolvidos num esquema global de lavagem de dinheiro.

Crítica

Há mais de 50 anos, o nome do escritor inglês John le Carré é considerado sinônimo de romances de espionagem. Parte desse reconhecimento junto ao público se deve às inúmeras adaptações cinematográficas de suas obras. Nosso Fiel Traidor é a mais recente transposição de um livro do autor para as telas, trazendo a história do casal Perry (Ewan McGregor), professor universitário de poesia, e Gail (Naomie Harris), renomada advogada, que tenta superar problemas conjugais passando férias românticas no Marrocos. Durante a viagem, Perry conhece Dima (Stellan Skarsgård), que trabalha lavando dinheiro para a máfia russa. Sabendo que sua vida corre perigo, este pede ajuda ao professor, entregando a ele um pen drive com informações confidenciais para ser levado ao Serviço Secreto Britânico. Ao aceitar o pedido, Perry e Gail acabam envolvidos em uma perigosa rede de intrigas internacionais.

No comando da adaptação, a cineasta Susanna White busca impor algumas marcas estéticas com propósitos bem definidos. Uma delas é o uso extensivo do registro através de reflexos - em espelhos, vidros de carros, janelas, lentes de câmeras de segurança - distorcendo as imagens numa representação da natureza deturpada e incerta das verdades que são apresentadas aos personagens. Os efeitos de flares, com luzes entrando diretamente na lente da câmera, também possuem sua função, particularmente no primeiro ato. Esse elemento serve para criar uma aura de fantasia quando Perry adentra o mundo de Dima – das festas, das mulheres, das drogas – que difere totalmente de seu cotidiano trivial, como se o protagonista estivesse inebriado pelo chamado à aventura.

Nesse ponto, a trama remete diretamente ao cinema de Alfred Hitchcock, com sua temática recorrente do homem comum envolvido em uma situação extraordinária. Existem diversas referências aos filmes do diretor, como a tensão resultante de uma partida de tênis nos moldes de Pacto Sinistro (1951), mas a grande influência, que gera comparações inevitáveis pelas semelhanças nas premissas iniciais, é a segunda versão de O Homem Que Sabia Demais (1956). Não por acaso, assim como no clássico de Hitch, o ponto de partida da trajetória do herói, um estrangeiro em terras desconhecidas, ocorre no Marrocos. Mas, ao contrário do Dr. Benjamin McKenna vivido por James Stewart, que se vê obrigado a participar de uma conspiração para salvar a vida de seu filho, Perry aceita sua missão voluntariamente, visando o bem de uma família que não a sua.

Ele encontra na esposa e nos filhos de Dima uma tradução daquilo que lhe falta, algo que ainda não foi capaz de construir, mas que acredita ser seu dever defender. A família é o elemento que move o longa de White que, até no clímax do ataque à cabana no ato final, deixa a ação e a violência fora de quadro, direcionando seu olhar para a imagem da proteção do grupo familiar. Mesmo Hector (Damian Lewis), agente do MI6 encarregado do caso, tem suas próprias questões envolvendo um filho para resolver. Ewan McGregor se encaixa perfeitamente no papel do homem honrado e de princípios, como os tipos consagrados por James Stewart. Mesmo a insinuação de um adultério, que seria o motivo do abalo em seu relacionamento, logo é deixada de lado. Esse senso de integridade moral também é encontrado na Gail de Naomie Harris, uma promotora pública, símbolo de justiça.

Diferente da maioria das adaptações de le Carré, Nosso Fiel Traidor possui uma boa parcela de alívio cômico, encontrada no humor tipicamente britânico de Hector e, especialmente, na personalidade expansiva de Dima, fazendo com que o trabalho de seus intérpretes mereça destaque, tanto o de Lewis quanto o de Skarsgård, que se torna a grande força do filme. Ator sempre confiável, o sueco transforma uma figura moralmente repreensível em alguém capaz de conquistar a completa empatia de todos a sua volta, incluindo o público. Algo que reflete as mudanças que os novos tempos trouxeram para a obra de le Carré. A certa altura, um dos personagens lembra que a Guerra Fria acabou, mostrando que nos dias atuais, banqueiros são vilões tão ou mais perigosos do que a máfia russa.

A essência da literatura do autor, porém, permanece intacta, com o apreço pelas intrigas de bastidores, e a tensão que estas emanam, em detrimento da ação grandiloquente. Estão lá as conversas secretas em carros, becos e salas fechadas, bem como os inimigos internos, os traidores. White filma esses momentos com requinte visual, mesmo que sem a elegância austera de outros longas baseados em le Carré, como O Espião que Sabia Demais (2011). Alguns dos simbolismos da diretora pecam pela literalidade – Perry e Gail subindo escadas rolantes separadas ressaltando o distanciamento na relação – mas, de modo geral, seu trabalho é seguro. A construção da atmosfera de suspense – vide a cena no apartamento em Paris – é bem resolvida, já o desfecho acaba sendo convencional, visto que a narrativa abria a possibilidade para uma subversão mais pessimista. É bem verdade, também, que a história exige certa dose de suspensão de descrença – as motivações, a participação de civis na operação, etc. – mas uma vez aceitas suas improbabilidades, Nosso Fiel Traidor se mostra um produto envolvente e eficiente em sua proposta de “thriller família”.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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