Crítica
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Sinopse
Depois de muitos anos de labuta, Joaquim está prestes a encerrar a sua vida profissional. No entanto, antes disso ele é obrigado por seu empregador a cumprir um breve "período de desemprego".
Crítica
Existem filmes que valem essencialmente por suas histórias. Neles, a jornada é o principal atrativo. Mas, há ainda os exemplares que nos ganham (total ou parcialmente) pela força dos personagens. Evidentemente é melhor quando ambas as coisas acontecem. No longa-metragem No Táxi do Jack, a figura principal é a sua maior vedete. Joaquim (Joaquim Veríssimo Calçada) está com 63 anos e a menos de três meses da tão sonhada aposentadoria. Recém-demitido, ele precisa apenas buscar (não conseguir) realocação profissional durante o tempo restante para que seja reformado, como dizem os portugueses. Ou seja, a motivação é uma mera formalidade. Tendo isso em vista, podemos pensar que o enredo se focará nas perambulações do sujeito por vagas que ele não deseja preencher. Seria uma espécie de Bartleby, o célebre personagem de Herman Melville que “prefere não fazer”? Isso é até ensaiado na primeira metade da trama. Mas, o que verdadeiramente prevalece, desde a primeira cena, é a singularidade de Joaquim. Ele ostenta um cabelo à lá Elvis Presley claramente pintado – o negro das madeixas é berrante. Em todos os cenários ele destoa (sobressai?) por essa aura postiça. A reflexão, então, mora na fricção entre natural e artificial. Porém, a cineasta Susana Nobre erra um pouco a mão ao confiar demasiadamente na sutileza do jogo de cena e negligenciar determinados aspectos.
Estamos diante de um personagem que resume monocordicamente a sua movimentada história de vida enquanto cumpre os tais protocolos não menos monótonos para se aposentar. Ele imigrou ainda jovem aos Estados Unidos e passou a morar na agitada Nova Iorque. Grande parte de No Táxi do Jack se passa com o protagonista falando o que aconteceu no passando enquanto simplesmente caminha pela Portugal que presencia seu envelhecimento. A certa altura, Joaquim diz que trabalhou na América como chofer de limusine e taxista, o que abre espaço para o longa-metragem talvez colecionar os episódios curiosos que aconteceram no banco de trás do português que naquela altura do campeonato aprendia a falar inglês. Aliás, o próprio título da produção alimenta uma expectativa nesse sentido. Mas, Susana Nobre não investe nisso, limitando-se a revelar um ou dois causos peculiares. O idoso continua transitando, de vez em quando interagindo com o amigo cego e a esposa que aparece repentinamente apenas na segunda metade do filme. Então, passa a ser cada vez mais urgente a pergunta: do que tudo isso se trata? Qual a finalidade da realizadora com a sugestão de vieses a serem seguidos e o rápido abandono deles? E o que estaria por trás do aparente desinteresse que é também manifestado pelo personagem? Joaquim não é introvertido, mas com frequência parece um tipo apático.
A chave para um melhor entendimento (e fruição) de No Táxi do Jack pode estar a quilômetros de Portugal, precisamente na cidade finlandesa de Helsinki. É lá que mora o cineasta Aki Kaurismäki, mestre reconhecido pela construção de narrativas focadas na rotina aparentemente desinteressante de personagens estranhos e supostamente irrelevantes. São comuns em ambientes incomuns. A identificação do filme de Susana Nobre com o cinema de Kaurismäki é bastante evidente. A começar pela forma como ela desenha Joaquim enquanto sujeito único e chamativo, vide o cabelão e as roupas berrantes que o distinguem nas paisagens. Até mesmo o cartaz oficial do longa português tem a tipografia e o design parecidos com os das principais produções do realizador finlandês. Porém, enquanto Kaurismäki constrói universos cinematográficos ímpares em que os protagonistas não são exceções, a cineasta portuguesa opta por tratar de um choque velado entre o excêntrico e o coloquial. No círculo imediatamente íntimo de Joaquim gravitam figuras tão impassíveis quanto ele – sobretudo o amigo cego e a esposa. Quando os três estão em cenários com mais gente, fica evidente que a moldura é mais “realista” e vívida. O efeito desse curto-circuito é curioso. É como se os intérpretes atuassem tendo como pano de fundo o cotidiano que eles penetram a partir de uma chave mais estilizada e antinatural.
Outro ponto inusitado de No Táxi de Jack é o apreço documental da câmera pelas paisagens. Várias entradas de Joaquim em cena são precedidas de retratos descritivos de espaços. Além disso, em dois instantes a cineasta demarca a distância entre a realidade crua e o artifício. O primeiro é quando expõe a câmera. Até aí nada de tão estranho, pois a atendente poderia estar filmando os candidatos. Adiante, Susana radicaliza a revelação do “fazer cinema” ao começar uma tomada com Joaquim dirigindo na Nova Iorque das lembranças e lentamente desvendar o truque e a equipe responsável. Desse modo, ela rompe drasticamente com a ideia antiga de que o cinema precisa passar-se por “verdadeiro” para conseguir a adesão do espectador. Uma pena que todos esses aspectos que são instigantes separadamente não dão muita liga quando somados para formar uma totalidade. Aos poucos, a procura desinteressada de Joaquim por emprego (ele quer apenas os carimbos de assiduidade), bem como a distância entre o passado de imigrante e o presente ao lado de seus conterrâneos passa a ser mera perfumaria. No fim das contas, se trata de um exercício de estilo que presta homenagens ao cinema singular de Aki Kaurismäki, às vezes com resultados interessantes, noutras parecendo incapaz de conciliar proposições e reverências. Vale pelo esforço de estabelecer uma ponte entre o raro e o banal.
Filme visto online durante a 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2021.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 5 |
Ailton Monteiro | 6 |
Chico Fireman | 6 |
MÉDIA | 5.7 |
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