Crítica
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Sinopse
Garota que se sente alienada na própria comunidade, Brynn Adams é surpreendida numa noite que parecia comum por barulhos estranhos vindos de intrusos.
Crítica
O início é, no mínimo, intrigante. Se não, vejamos. Uma garota mora por conta própria em uma casa afastada, mas isso não parece incomodá-la: pelo contrário, se mostra bastante satisfeita nesse cenário. Entre dúvidas cotidianas, como qual roupa usar, vai tocando suas obrigações, como atividades artesanais – pelo jeito, seu meio de vida – e uma grande maquete que vem idealizando com cuidado. O quintal também é vasto, circundado por uma mata que aumenta ainda mais a sensação de isolamento. Ao entrar no carro e se dirigir a cidade, no entanto, o estranhamento começa. As pessoas lhe viram a cara. As obrigações que a levaram até o centro urbano são desempenhadas com rapidez, sem perda de tempo. Está sempre olhando para os lados, como se tivesse medo de ser pega desprevenida. E uma vez cumprido seu intento, o retorno ao lar é imediato. Quase como uma volta a um refúgio longe de tudo e todos – ou quase isso. Pois, no meio da noite, uma visita inesperada irá lhe acordar – e, após isso, voltar a dormir não será mais opção. Como fica claro, Ninguém Vai Te Salvar leva ao pé da letra o título que ostenta. E esse é apenas um dos méritos mais visíveis de uma obra pequena, quase discreta, mas que justifica com folga qualquer curiosidade levantada.
Aqueles que ficarem presos à tensão desse prólogo, desenvolvido de forma contínua e sem respiros, talvez não percebam de imediato, mas há um detalhe que não pode ser ignorado: estes dez ou vinte minutos iniciais se passam praticamente sem diálogos. E não é algo forçado ou imposto; não se trata de um filme mudo ou cujo silêncio seja fruto de contorcionismos da trama. Pelo contrário, as palavras são quase ditas em mais de um momento: elas apenas não encontram espaço ou ocasião para serem proferidas. Brynn (mais um acerto de Kaitlyn Dever, também produtora) é tão solitária que simplesmente não tem com quem conversar, se abrir ou desabafar. As janelas continuam sendo fechadas, os rádios tocam suas músicas e a natureza se faz presente por meio de ruídos e sons diversos. Tudo isso está na impressionante construção sonora do longa, um elemento quase à parte de efeito determinante no sentido de envolver a audiência. Nada se perde, até mesmo o farfalhar das cortinas movidas pela brisa noturna, ou o ranger de uma porta em plena madrugada. Quase que num estalar de dedos, a jovem se dá conta de não estar mais sozinha.
É nesse contexto, elaborado de modo extremamente realista, que o diretor e roteirista Brian Duffield propõe o momento de virada: sem luz ou auxílio de uma lanterna, e, acima de tudo, sem meios de pedir socorro (se bem que, afinal, quem estaria disposto a ajudá-la?), a protagonista terá que fazer frente a um ser, no mínimo, inesperado: um alienígena. Há uma criatura extraterrestre em sua casa, vasculhando cômodos e sentindo cheiros, emitindo gemidos de reconhecimento e inspecionando cada aspecto do local em busca de algo – ou alguém – que possa lhe fazer oposição. Se a sorte está ao seu lado, ou não, Brynn só irá descobrir mais adiante. Mas o certo é que, ainda que sem muito planejamento, conseguirá dar um jeito no invasor e escapar com vida. O mundo que encontra no dia seguinte, no entanto, não é mais o mesmo. Sinais de que outros passaram pelos mesmos confrontos naquela noite estão por todos os lados. O que a faz especial, então, a ponto de seguir respirando, sendo que o confronto do qual escapou, ao que todos os indícios apontam, não parece ter sido ao acaso?
A ausência de diálogos se estenderá por todo o filme, e a habilidade em manter essa estrutura é eficiente, uma vez que eles não são, de fato, esperados. O embate está entre seres de naturezas distintas, e por isso mesmo seria de se imaginar que tal comunicação talvez não pudesse ser efetiva. Se por um lado há de se contar com uma suspensão da realidade um tanto elástica, não pela presença de seres vindos do espaço, mas pela violência que esses empregam que, ainda assim, não parece ser suficiente para subjugar uma oponente que à primeira vista se mostra tão frágil quanto essa mulher (quase uma menina), por outro lado há a manifestação de uma narrativa enxuta, mas ainda assim capaz de se desenvolver em distintos desdobramentos, quase capítulos isolados de uma mesma saga (tudo no decorrer de horas, não mais do que um ou dois dias). Duffield dirigira até então apenas a comédia romântica fantástica Espontânea (2020), e se essa não é amostra suficiente de um olhar diferenciado sobre temas até então convencionais, o envolvimento em títulos como Amor e Monstros (2020), no qual assina o roteiro, e O Urso do Pó Branco (2023), em que atua como um dos produtores, confirma essa disposição em se afastar de zonas de conforto pré-determinadas.
Brynn é uma construção brilhante de Dever, que tendo como apoio apenas uma série de rápidos flashbacks para gerar empatia e entendimento por parte do público a respeito dos seus atos do passado e de sua condição atual, alcança níveis de imensa destreza ao compartilhar tais emoções. Está sobre seus ombros a condução de uma narrativa que dá seus passos iniciais com uma tranquilidade quase idílica, logo se transmuta em uma inversão de gênero tensa e angustiante para, à medida em que se aproxima de seu desfecho, ousar mais uma vez em uma nova mudança de rumo, aspirando reflexões mais densas e profundas, leituras essas frente às quais muitos não se mostrarão preparados, e que por isso mesmo deverá se impor bravamente para conquistar seu espaço, sentimento esse que se dará não desprovido de admiração e surpresa. Ninguém Vai Te Salvar é um filme a ser descoberto com atenção, principalmente pela lógica que conclui que, para ser resgatado, não adianta apenas que o perigo se manifeste: antes mesmo, o essencial é desejar que esse braço até você seja estendido.
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