Crítica
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Sinopse
Crítica
Indicado ao Oscar de Melhor Longa Documentário, Navalny tem como personagem central uma das figuras mais bombásticas do presente cenário internacional. O político, advogado e ativista Alexei Navalny é o principal opositor do então presidente da Rússia, Vladimir Putin. Um sujeito que parece não temer pela própria vida ao subir em palanques públicos para acusar o alto escalão do seu país de uma série de crimes a uma plateia cansada do seu longevo governo. Na verdade, à medida que o filme avança – especialmente em torno da tentativa de assassinato sofrida por Alexei em 20 de agosto de 2020 –, é perceptível a vaidade também servindo como combustível da cruzada quixotesca contra Putin. Alexei é um homem jovem para os padrões enferrujados da política (46 anos), utiliza as redes sociais como fortes aliadas contra a máquina estatal russa e personifica uma lufada de novidade, de jovialidade. E ele tem plena consciência do que representa, da imagem que precisa (e gosta de) criar para capturar a atenção de um grupo que anseia por ser mobilizado. No entanto, por mais estranho que isto pareça, o diretor Daniel Roher não está tão preocupado com o homem, algo visto nos vislumbres protocolares de intimidade e na pouca disposição para iluminar as contradições. O foco é a função política de Alexei, principalmente a tenacidade para contrariar as expectativas e seguir enfrentando Putin.
Em certo momento de Navalny, Daniel supostamente coloca o protagonista contra a parede ao questioná-lo sobre as antigas manifestações em que se dirigiu a membros da extrema-direita. Nessas plateias estavam nazistas e nacionalistas também insatisfeitos com o “reinado” do atual presidente russo. Habilidoso e munido de todo o seu carisma, Alexei sai pela tangente dizendo que é capaz de dialogar com todos os membros da sociedade, inclusive com aqueles que defendem ideais “muito distantes das minhas”. Ora, falta um aprofundamento nesse tensionamento de ideias, pois à explicação burocrática do político não se segue nada que possa desmembrá-la. Uma vez encantado com a jornada heroica de uma personalidade que teima em bater de frente contra poderes muito maiores do que os seus, o realizador parece se contentar com isso de “é preciso, inclusive, ouvir o que os nazistas têm a dizer”. Se o ditado popular “quem cala consente” está correto, podemos afirmar que o documentário aceita essa visão de mundo em que pessoas de pensamentos extremistas são bem-vindas para derrubar outros extremistas. Não estaríamos nós, ao engolir a seco esse tipo de posicionamento, apenas aceitando que o extremismo no poder tenha agendas diferentes, sem combater a existência do autoritarismo? Até que ponto Alexei pensa em utilizar supremacistas como capital político? Não sabemos disso.
Daniel Roher recorre à tradição dos thrillers políticos para construir Navalny, vide a típica trilha sonora de timbres graves que aumenta nas cenas potencialmente tensas para demarcar certa urgência. Dentro da observação pouco crítica que o filme faz de seu personagem, há também a tentativa de conter alguns rumos do filme. Aliás, o documentário começa com o protagonista censurando o diretor por querer registrar uma mensagem a ser disseminada post-mortem. Alexei diz “vamos à segunda ideia de filme, vamos ao filme dois”, assim demonstrando liberdade para impor algum controle sobre a narrativa construída em torno de si próprio. Daniel poderia muito bem aproveitar as oportunidades para desenhar melhor a personalidade centralizadora de Alexei e sua intenção constante de ponderar milimetricamente a respeito de como, onde e com que frequência a sua imagem pública será disseminada. Tanto existe uma espécie de pacto visível entre cineasta e protagonista que um dos únicos flagrantes “espontâneos” de Alexei é na conversa gravada “indiscretamente” na qual o político acalma a sua assessora e defende que o realizador receba acesso total ao que precisa para fazer o filme. A cena soa mais como uma concessão a fim de evitar qualquer ruído sobre o conceito de liberdade defendido por Alexei. No fim das contas, Alexei é celebrado como opositor do tirano, mas nunca colocado na berlinda.
Atualmente há poucas dúvidas quanto à nocividade de uma figura política como Vladimir Putin, alguém que se demonstra implacável sempre que as ocasiões lhe parecem desfavoráveis – e ele é um dos grandes responsáveis, senão o maior, pelos horrores atuais da chamada guerra da Ucrânia. Tendo isso em vista, Alexei Navalny surge no horizonte como um cavaleiro nobre numa cruzada para derrotar o mal, o único com mecanismos e atitudes suficientes para questionar a perpetuação de Putin no poder. Ponderar sobre as escolhas do diretor, sobretudo a respeito de posicionamentos éticos e estéticos, não tem nada a ver com simpatizar mais ou menos com seu personagem. Se a régua da análise crítica de uma produção como essa for pura e simplesmente a razão do protagonista, estaríamos desmerecendo atributos estritamente cinematográficos e outros componentes que entram na jogada a fim de construir um (ou vários) discurso. Dito isso, Navalny é convencional por conta de sua estrutura próxima a do jornalismo investigativo, com depoimentos clássicos e testemunhos de ocasiões em que a câmera claramente é bem-vinda. Falta mergulhar a fundo na personalidade rica desse sujeito vaidoso que se anuncia como única alternativa política para a sofrida Rússia putinista. O flagrante da mala da filha de Alexei com a estampa do Mickey e a existência de dispositivos mais comumente associados ao imperialismo norte-americano não são suficientes para criar pontos de tensão entre os discursos e as ações.
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