Crítica

O ator italiano Sergio Castellitto, conhecido no Brasil por sua participação em filmes como Simplesmente Martha (2001) e As Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian (2008), assinou seu mais impressionante trabalho como realizador com o dramático e intenso Não Se Mova. Além de dirigir, ele também divide a cena com a espanhola Penélope Cruz, que voltou a trabalhar na Europa atendendo a este convite, após uma série de experiências frustrantes em Hollywood (O Capitão Corelli, 2001, e Na Companhia do Medo, 2003, entre elas). E a mudança de ares fez bem a ela, que desde o oscarizado Tudo Sobre Minha Mãe (1999) não aparecia tão bem em cena. A diferença, no entanto, está não só no seu talento, mas também no texto inteligente e na condução segura do cineasta.

Não Se Mova começa com um violento acidente de trânsito que vitima uma adolescente. Quando chega ao hospital, nos documentos da garota descobre-se uma triste coincidência: seu pai é um dos médicos do local. Ao saber do ocorrido, ele a deixa nas mãos de um colega, enquanto, na sala ao lado, em meio à angústia e o sofrimento, começa a repensar sua vida. Neste ponto o filme passa a se dividir em duas trajetórias, a atual e a vista nos flashbacks, que relatam o casamento dele com a mãe da menina e sua vida como membro respeitável da sociedade, valoroso profissional e pai de família. Esta parte esconde as aparências, o que é visto pelos colegas e vizinhos. É a calmaria que com muito esforço esconde uma tempestade que transformou sua vida no passado e que encontra-se à espreita de um novo momento de ebulição.

O que poucos sabem a respeito desse respeitado profissional é que ele possui um lado escuro em sua história. Este momento teve início anos atrás, quando conheceu uma estranha mulher (Penelope Cruz), num dia de imenso calor, após ter tido um problema com seu automóvel. Disposta a ajudá-lo, ela oferece seu telefone, conduzindo-o até sua casa. Lá, num momento de descontrole e tomado pelo desejo, ele a estupra. O ato de violência se transforma em amor, dando início a uma relação de paixão e loucura que terá uma conclusão trágica para todos os envolvidos, culminando naquele instante, em que a vida da própria filha está por um triz na sala ao lado.

Sergio Castellitto faz de Não se Mova uma tese sobre as correntes que nos prendem dentro das imagens impostas e criadas nos círculos sociais. Seu personagem é o exemplo de um homem sem ânimo, nem vontade, e que num único momento de vivacidade dá início a um caminho paralelo que simplesmente não sabe como controlar. Cruz é o contraponto ideal, na personalização do querer, da liberdade e do anseio. Ele está preso, e quer viver. Ela, por outro lado, está livre, e quer se unir a alguém. O destino, no entanto, parece jogar de modo mais severo do que poderiam imaginar, e enquanto brinca na mesa de cirurgia com sua família, as decisões de ontem lhe aparecem como assombrações de uma vida alternativa em que tudo poderia ser diferente. Talvez melhor, até mesmo pior, mas certamente não igual a esta. O peso destes valores motiva uma reflexão pessoal e intensa por parte do protagonista. E também de cada espectador que se deixar levar por essa história de culpa e redenção.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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