Crítica


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Sinopse

Num reino composto de dez nações, há animosidades internas constantemente. Um sábio senhor da guerra decide organizar uma competição para selecionar guerreiros aptos a proteger suas fronteiras.

Crítica

O wuxia é um gênero literário e cinematográfico tradicional na China. Situando lutas de espadas num ambiente medieval imaginário, repleto de regras singulares e criaturas fantásticas, o cineasta Teddy Chan, portanto, parte de um gesto de reverência à herança. Pena que, na contramão dos filmes com efeitos especiais práticos e construções palpáveis, em Mundo Duplo o realizador lance mão da simulação obtida com as técnicas digitais a fim de tornar possível sua grandiloquência com uma enorme gama de componentes. Obviamente é mais coerente fazer aparecer uma criatura draconiana diante do espectador com a ajuda da computação gráfica e de tudo que dela provém. Mas, será realmente necessário utilizar o recurso para reproduzir o fogo crepitando numa tocha? É aceitável que até mesmo os ferimentos, tais como os decorrentes de uma espada trespassando alguém, precisem ser fruto de uma artimanha de pós-produção? Esse exagero se encarrega de sinalizar a ausência de texturas do filme, trazendo à tona um artificialismo observado em outros aspectos.

O trabalho visual de Mundo Duplo gera certa dose de estonteamento nos planos abertos que não misturam truques e humanos. No entanto, quando orgânico e inorgânico convivem, a diferença acaba sendo determinante e acentuada em determinadas cenas. Os efeitos digitais até que são bons, não devendo tanto aos dos exemplares hollywoodianos de médio porte. O problema está na forma como eles são integrados aos demais ingredientes desse molho. Porém, não é somente essa a debilidade do longa chinês dado à suntuosidade inclusive no que tange simplesmente à trama. Dong Yilong (Henry Lau) é um ladrão pé-de-chinelo de um dos clãs alvoroçados pela possibilidade do país sulista entrar novamente em guerra com seu vizinho nortista. Dele ser pego com a boca na botija até o alistamento voluntário no torneio existente para eleger o novo general da nação não passam mais do que pouquíssimos e céleres minutos. E de sua atividade gatuna praticamente não sobra nada tão logo a estrada, e depois a sede do reino, passe a ser o seu cenário.

Na verdade, é difícil garantir que Dong Yilong e sua manjada trajetória de órfão desejoso de encontrar o pai desconhecido sejam de fato centrais. Isso porque o cineasta não fomenta sua personalidade à medida que confere espaço a Chu Hun (Peter Ho), guerreiro desgraçado que almeja garantir a viabilidade de uma vingança. Enquanto somos apresentados à tragédia do temido clã largado à própria sorte pelos aliados – em meio a flashbacks simplórios encaixados sempre que um personagem precisa oferecer contextos a outro –, o protagonista fica relegado a demonstrações esparsas de virtuosismo moral, sem quaisquer resquícios da malandragem típica dos sobreviventes à qual fomos apresentados inicialmente como essencial. Para completar, a colega vivida por Lin Chen Han, que poderia bem ser uma sinalização potente quanto ao poder feminino no campo de batalha, gradativamente perde espaço até virar uma tola moeda de troca emocional aos homens, ou seja, uma figura cuja existência serve para provocar em outrem reações ou despertar ímpetos.

Boa parte das engrenagens caras às intrigas palacianas estão presentes em Mundo Duplo. O ocupante de um alto cargo que planeja o golpe e o monarca manipulado por uma inteligência maquiavélica que o domina são algumas delas. Além disso, também advém diretamente do lugar-comum dos enredos medievais o zé-ninguém que, lá pelas tantas, vai descobrir uma marca comprobatória de sua insuspeita nobreza e o lutador honrado que coloca a lei em xeque se for preciso para fazer o correto. Todavia, questionável aqui é a maneira como Teddy Chan organiza tantas coisas no desenvolvimento previsível da história, fazendo questão de sublinhar demais indícios pontuais até eles perderem a aura de mistério, logo se tornando questionamentos obviamente à espera de resolução (geralmente não muito difícil de antever). Do nada sai um oráculo que coloca os pingos nos is, as animosidades arrefecem e os justos se amotinam para garantir a salvaguarda do dia. A falta de espessura dramática dos personagens, assim como a ausência de personalidade destes, boicotam as poucas boas ideias.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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