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Sinopse

Sem trabalho ou diploma, Sandra volta a morar com a mãe. Contratada na fábrica de conservas local, rejeita as abordagens românticas do chefe e acaba o matando acidentalmente ao tentar se defender de uma das suas investidas. Ela e mais duas colegas que testemunharam a cena tentam pedir socorro, mas quando descobrem uma mala cheia de dinheiro no armário do morto, decidem ficar com a fortuna.

Crítica

Mulheres Armadas, Homens na Lata apresenta uma situação insólita que sobrevém ao retorno de Sandra (Cécile De France) à pequena cidade de onde saiu na juventude para ganhar o mundo. Ela regressa com o olho roxo que denota os maus tratos maritais, pede guarita no trailer da mãe e começa a trabalhar numa empresa de enlatados, não hesitando em rechaçar veementemente as investidas do patrão que deseja lhe possuir à força. A caricatura, algo que perpassa integralmente o filme, aparece plenamente no instante em que o homem vislumbra parte de seu pênis se debatendo (como um peixe fora d´água, numa das melhores piadas visuais do longa). A cena absolutamente exagerada ganha contornos ainda mais absurdos quando as colegas, Nadine (Yolande Moreau) e Marilyn (Audrey Lamy), chegam para verificar o acontecido. Uma sacola de dinheiro por ali dando sopa, a necessidade de “desovar” o sujeito que morre de maneira estúpida e está feito o forrobodó.

A excentricidade desses episódios, avolumados até gerar uma atmosfera nonsense, é o grande valor da produção dirigida por Allan Mauduit, rivalizando, enquanto mérito central, com as ótimas interpretações do trio principal. Cécile De France, Yolande Moreau e Audrey Lamy não compõem personagens profundas, cheias de matizes, complexidades e afins. Como convém à natureza cômica da narrativa, elas desenham figuras cuja graça está essencialmente nas respostas inesperadas a determinadas conjunturas. Todavia, uma vez deflagradas as personalidades incomuns, a trama apenas evolui no sentido de resolver o imbróglio envolvendo parentes “caindo de paraquedas”, policiais atolados em ilicitudes e a máfia belga no encalço das mulheres. Portanto, tão logo passe de seu primeiro terço, Mulheres Armadas, Homens na Lata, justo por esgotar rapidamente o seu repertório de bizarrices e truques, se repete sucessivamente em direção ao desfecho.

Um tema que ensaia importância é a força da mulher diante da inclinação masculina à agressividade. Isso está bem posto no episódio do sujeito que, por ironia do destino ou algo equivalente, tem um fim após a tentativa de violar a recém-chegada. O pênis, símbolo mor do falocentrismo, reduzido a um pedaço de carne saltitando no chão, é um dos indícios dessa noção que acompanha a escalada rumo a um golpe que pode acabar com a pindaíba. Porém, Allan Mauduit não permite que isso evolua, empilhando reiterações desnecessárias, sem componentes novos para oxigenar. Uma parte do roteiro que reflete essa falta de jeito minando gradativamente o conjunto é a forma como Sandra desdobre a identidade do pai, de supetão, tortuosamente, sem que a revelação crie algo para além de mera surpresa momentânea, de efeito breve. Mulheres Armadas, Homens na Lata se desenvolve cada vez mais trôpego, triscando a previsibilidade e, portanto, se anulando.

Há um excesso de circunstâncias e/ou elementos lançados quase a esmo, sem que tal operação gere, ao menos, um efeito cômico duradouro. Mulheres Armadas, Homens na Lata não consegue equilibrar a atenção entre as três protagonistas. Ainda que a personagem de Cécile De France evidentemente centralize mais as coisas – muito acontece a partir dela ou de como essa mulher responde ao entorno absurdo –, em certos instantes Yolande Moreau e Audrey Lamy praticamente somem ou são relegadas a uma coadjuvância anódina. Temas como família, paternidade, machismo e empoderamento feminino, por exemplo, são apenas ilhotas em que o enredo aporta ocasionalmente, não permanecendo substancialmente em nenhuma delas por conta do estrépito um tanto desordenado. O resultado apresenta ótimos momentos, como a já citada sequência que desemboca no literal enlatamento do machista escroque, mas é bem enfraquecido pela crescente falta de criatividade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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