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Sinopse

Em Tokamachi, no Japão, o jovem Akio Sakurai se refugia em seu quarto, fugindo para outro mundo com um par de fones de ouvido e uma pilha de discos da banda Led Zeppelin. Quando se muda para Tóquio, trabalha como vendedor de quimonos durante o dia, mas à noite se tornava "Mr. Jimmy", adotando o visual e a personalidade de Jimmy Page. Por 35 anos, recriou concertos do Led Zeppelin nota por nota em pequenos clubes da capital japonesa, até que o verdadeiro Jimmy Page assiste a uma de suas apresentações, e a vida de Akio muda para sempre.

Crítica

Akio Sakurai é fascinado por Jimmy Page, o guitarrista do Led Zeppelin. Desde que descobriu o trabalho do americano, este homem japonês decidiu copiá-lo nos mínimos detalhes: o estilo de tocar, de se vestir, a qualidade do som. Ele dedica mais de trinta anos de sua vida tocando em bandas covers, enquanto persegue o objetivo máximo de apagar qualquer diferença entre suas apresentações e aquelas do ídolo. Este constitui o ponto de partida, e também o ponto de chegada, do documentário Mr. Jimmy, espécie de estudo obsessivo sobre um personagem obsessivo. A intenção do diretor é demonstrar, cena após cena, que a dedicação de seu protagonista é real, e que a busca por perfeição jamais o deixa satisfeito.

Julgando pelas generosas duas horas de duração, não restam dúvidas quanto aos esforços de “Jimmy Sakurai”, capaz de abandonar a família, mudar de banda e de país para perseguir sua vocação. No entanto, o espectador poderia se questionar: o que existe para além da anedota? O que interessou o diretor na história singular do artista, e o que esta trajetória nos diz sobre a arte, sobre a cultura japonesa, sobre a busca pela perfeição? Em que medida o esforço inesgotável do guitarrista amador compromete sua relação com a esposa, com a mãe idosa? Como Akio pode nutrir décadas de admiração por um americano sem compreender a língua inglesa? Que relação possui, então, com as letras das músicas da banda? De que modo ele, um imitador perfeccionista, percebe a criação de materiais novos, talvez inspirados ou dedicados a Jimmy Page?

O documentário não fornece resposta a essas, nem a muitas outras importantes perguntas. O filme dirigido por Peter Michael Dowd dedica-se a uma detalhada constatação dos fatos: este homem existe, e sua trajetória é tão admirável quanto hercúlea na busca por uma finalidade impossível – afinal, Akio nunca será Jimmy Page. No entanto, o cineasta se recusa a inserir este homem num contexto maior. Os músicos e colaboradores (figurinistas, técnicos de som) limitam-se a repetir o óbvio: Akio é fascinante por sempre querer melhorar. Os comentários são invariavelmente elogiosos, como se a obsessão constituísse alguma forma de pureza não comprometida por questões mundanas como a ganância. O protagonista se sacrifica por esta arte particular, e nesta entrega, tanto o filme quanto os entrevistados enxergam uma manifestação quase religiosa, à qual deveriam contribuir. O filme descreve Akio pelo viés da admiração combinada com exotismo.

Em seu acúmulo de cenas equivalentes (Akio se apresenta, ensaia, fala sobre a paixão por Jimmy Page), o documentário soa redundante e descritivo em excesso. Legendas ocupam a tela com frequência para explicar as passagens de tempo que as imagens não conseguem sugerir por conta própria. O diretor acredita ser importantíssimo explicar cada troca de banda, cada escolha de um novo baixista ou vocalista, cada briga – apenas sugerida, jamais mostrada, para não ferir o verniz de idealização imposto ao personagem. Como a trajetória do músico não se transforma ao longo de décadas, o filme tampouco se desenvolve: o diretor busca nas câmeras lentas, na multiplicidade de ângulos e de apresentações uma variação que a narrativa não é capaz de fornecer. O interesse do projeto por seu tema de estudo é tamanho que ele sequer sacrifica passagens repetitivas em nome do ritmo: para Dowd, o mais importante é que nenhum momento significativo desta história de vida fique fora da montagem.

Havia, no entanto, a possibilidade de um documentário fascinante por trás deste filme-groupie. Ao descreverem Jimmy Sakurai, os colegas dizem que, ao invés de copiar, ele pretende se tornar “o renascimento do original”. Ora, como compreender um artista que não cria, apenas reproduz, mimetiza? Um músico que nunca tocou músicas próprias, nunca compôs, nunca se interessou por outras bandas? Em que medida a mimese se aproxima de um trabalho de performance? Pode-se dizer que o biografado realmente acredita ser Jimmy Page em determinados momentos? Para um tema excepcional, o diretor se apoiou num olhar de superfície, uma fascinação por esta imagem estranha, distante de nós, mistura de comprometimento sério e brincadeira infantil. O aspecto mais interessante de Akio – sua psicologia e sua visão de mundo – permanecem inacessíveis ao espectador.

Filme visto na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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