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Sinopse

Depois de conhecer a obra de Jairo Mendes, artista controverso que morreu na cadeia após ter assassinado a esposa, um homem de classe média fica obcecado para encontrar o único filme dirigido por Jairo.

Crítica

O painel que Leandro (Fernando Alves Pinto) esboça no quadro exposto no quarto bem poderia ser um enigma, mas não é. Reflete apenas a confusão ideológica de um país assentado politicamente sobre uma ideia particular de democracia, estritamente instrumental, amplamente confusa.

O personagem de Fernando é mestrando em humanidades. Isso faz toda a diferença, pois  o ambiente em que circula confunde formação intelectual com catequização ideológica. Ao se interessar pela ditadura brasileira, momento vivenciado na pele pela mãe, Marília (Clarice Abujamra), o rapaz procura entender os resultados desse período. Fato que, convenhamos, não é simples. Em determina cena, o jovem recebe com assombro a constatação de que as mesmas pessoas que pertenceram ao grupo católico fizeram parte do partido comunista. O interesse do protagonista guia o filme de Bianchi como um grande painel da sociedade brasileira atual e a relação que esta mantém com o passado. Antes do início da sessão, o diretor fez questão de ressaltar que a obra era uma tentativa de colar os cacos da geração da qual fez parte. O enredo de Jogo das Decapitações se junta a uma série de filmes recentes sobre o tema, seja como pano de fundo, em O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006), seja diretamente, em A Memória que me Contam (2012). O jogo do título diz respeito ao filme homônimo de Jairo Mendes, censurado durante o período militar. É ao intercalar as cenas da obra de Mendes que Bianchi mais acerta, dando ao filme o grande sopro de originalidade e contundência que estará disperso e ineficaz no restante do enredo.

Como o título adianta, cabeças rolarão. Sem poupar colegas de geração ou os posteriores, Bianchi ataca a todos, direita e esquerda. Uns por lucrarem com o passado, acomodados na figura de vítimas, como Marília, que instrumentaliza a dor a fim de lucrar com a ONG que mantém. Outros por serem míopes diante dos acontecimentos, como Rafael (Sílvio Guindane). Tal qual uma metralhadora giratória, o filme expõem o interstício hipócrita da sociedade brasileira, à deriva em um copo d'água, supondo que está no mar. A atualidade de Jogo das Decapitações é evidente. O clima político, o clamor por qualidade social e os debates acerca dos serviços públicos, em ebulição nos últimos meses, são parte de uma agenda que necessita, antes de tudo, de uma reflexão acerca da própria formação dos partidos e da natureza da política nacional. Em algum momento, a democracia brasileira terá de deixar o discurso de que é recente para funcionar de fato, de forma sólida e eficaz.

A cena final, em que o tranquilo Leandro extrapola seus sentimentos, tem o impacto necessário para encerrar um filme feito por e para insatisfeitos. Muitos sentirão falta de um caminho que aponte para a solução. Bianchi, porém, bem sabe que as coisas não são simples, preto no branco. Antes disso – e por isso mais sincero – Jogo das Decapitações é uma observação social, um aglutinado de perspectivas. Mas é também um sinal – a gota d'água.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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