Crítica

É com A Gaiola Dourada que Ruben Alves estreia no cinema como diretor. Um conselho antigo dizia que podemos falar de muitos assuntos, mas que trataremos com propriedade aqueles que nos dizem respeito. Se Alves conhecia a máxima ou foi levado ao acaso, já não importa. O fato é que espelhar a realidade de sua família em tela resultou em um debute verdadeiro e de muita qualidade.

O argumento é simples. A família portuguesa Ribeiro vive há anos na França, na portaria de um edifício, em Paris. José (Joaquim de Almeida) é operário da construção civil, enquanto Maria (Rita Blanco), sua esposa, trabalha como zeladora. Levam uma vida simples, mas sem necessidades. Incomoda-os, apenas, a falta de reconhecimento em seus empregos. Desconforto que relevam até o momento em que recebem a herança de um parente português. O dinheiro tem uma condição: retornar ao país natal. Junto à descoberta de que a família não precisa mais dos outros, a culpa diante da possibilidade de parecerem ingratos.

Alves conta muito bem essa história, pois ela também é sua e de seus pais, a quem o filme é dedicado e a principal inspiração para o casal central. Se o drama da família Ribeiro é contado em forma de comédia, a escolha do gênero não é aleatória. Além do gosto pelo humor, o recurso permite ao diretor não apenas aproximar-se de modo não naturalista do conteúdo, mas que este ataque com menos agudez - porque às vezes o menos é mais - a camada de preconceito e o sentimento de inferioridade que vagam velados, como enfants terribles, pelas capitais européias.

O roteiro, assinado em conjunto pelo diretor, Hugo Gélin e Jean-André Yerles, consegue construir personagens com certa complexidade, o que permite trabalhar seus impasses de maneira qualificada, sem perder a leveza. Mesmo personagens secundários, como Rosa (Maria Vieira) e Lurdes (Jacqueline Corado), não passam despercebidos, contribuindo de forma significativa tanto com engraçadas como alavanca para os protagonistas.

O sigilo não é um dote português. Isso faz com que a notícia da herança e a necessidade de mudança se espalhe rapidamente. É o momento, então, de os patrões franceses de Maria e José fazerem o possível para agradá-los. A reviravolta das posições sociais é, junto ao confronto de  costumes franceses e portugueses, o motor do humor de Alves, que tem o seu melhor momento no núcleo dos namorados Paula (Bárbara Cabrito), filha da família Ribeiro, e Charles (Lannick Gautry), filho dos patrões de José. A relação avança e proporciona ao espectador grandes passagem durante o jantar em que as famílias se conhecem.

Com o humor equilibrado, tensionado entre o fazer rir e o fazer pensar, A Gaiola Dourada consegue um resultado raro, combinação de profundidade e riso. Se Alves pensava começar bem, não imaginava que teria um início ainda melhor e mais promissor com a bela comédia com a qual presenteou os pais e o público.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
avatar

Últimos artigos deWillian Silveira (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *