Crítica

Monster - Desejo Assassino é o notável trabalho de estréia em longas-metragens da diretora Patty Jenkins, que anteriormente havia realizado apenas dois curtas-metragens e que desde então tem trabalhado exclusivamente na televisão. Esse trabalho bastante singular, percebe-se de imediato, só foi possível graças à incrível parceria que desenvolveu com a estrela Charlize Theron, que aqui aparece como produtora e, principalmente, protagonista. As duas foram atrás de um material de bastante peso: a história real de Aileen Carol Wuornos, uma prostituta condenada por ter assassinado sete homens, na Flórida, nos Estados Unidos, no final dos anos 1980. Para causar um choque ainda maior na conservadora sociedade do sul norte-americano, o único relacionamento amoroso sério que esta mulher conseguiu manter foi com Selby, uma garota lésbica recém saída da adolescência.

Se a temática proposta, por si só, era explosiva o suficiente para garantir a atenção de um público mais amplo, um outro elemento acabou sendo um catalisador ainda mais forte de audiência: a atuação de Theron. A ex-modelo, que estreou despertando  desejo em Keanu Reeves e em Al Pacino em Advogado do Diabo (1997), depois de passar um bom tempo aparecendo numa série de produções que pouco exploraram seu talento, mas que serviram para que ganhasse experiência sob o comando de diretores como Woody Allen, James Gray e Robert Redford, viu em Monster uma oportunidade única: aliar transformação física com dedicação interpretativa. E o que alcançou foi um resultado raro e impressionante.

Este, no entanto, é um fator positivo e negativo ao mesmo tempo. Isso porque sua interpretação é tão arrebatadora que, se apenas por ela a obra já justifica sua existência, da mesma forma tal impacto prejudica a percepção do todo. Monster é um filme bom, e esta é uma verdade inquestionável. Mas ele fica pequeno diante do que é alcançado pela atriz. Sua atuação é muito superior ao conjunto do filme em questão. Charlize está irreconhecível, e, apesar dos 15 quilos mais gorda, com o cabelo desleixado e sob uma boa dose de maquiagem, é ainda a intérprete que fala mais alto, na expressão, nos olhos, na postura. Ela consegue deixar de lado a estrela e se tornar a mulher, num processo que elimina inclusive a personagem. Algo surpreendente e merecedor dor e conhecimento atingido – mesmo que por vezes seja difícil diferenciar o que é performance ou mera técnica repetida. Prêmios como o Oscar, o Globo de Ouro e o Urso de Prata no Festival de Berlim, entre tantos outros, comprovam esse fato.

Sobra pouco a ser dito sobre Monster quando deixamos Theron de lado. Patty Jenkins escolhe um caminho tortuoso para trilhar, assumindo o ponto de vista da biografada, tentando a todo instante justificar as atitudes de Wuornos, uma assassina confessa. A trama, baseada em fatos reais, provoca no espectador mais atento um sentimento de pena, como se os crimes por ela cometidos pudessem ser perdoados. E isso o filme o faz sem meias palavras, jogando tudo nas costas das duas atrizes – há ainda Christina Ricci, como a amante Selby, um personagem extremamente complexo, mas o qual temos um acesso restrito, apenas de relance. Suas motivações são confusas, e inevitavelmente a culpa – pela desgraça que recai sobre ambas – acaba recaindo sobre ela. Isso, é claro, ao menos diante os olhos do público. Há ainda outras questões da estrutura narrativa que também são um tanto questionáveis, como certas posições maniqueístas e/ou parciais demais. Nada, entretanto, que invalide os méritos alcançados. Este é um filme digno do reconhecimento obtido, e Charlize Theron ainda mais.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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