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Sinopse

27Alex tem a ambição de se tornar Miss França desde pequeno. Aos 24 anos, ele esconde sua identidade masculina para finalmente tentar realizar seu sonho de criança. Apoiado pela família, ele quer ser a mais bela mulher do país.

Crítica

Ela tem apenas um sonho: ser a próxima Miss França. Esse anseio, que já foi compartilhado por milhares de garotas, parece atualmente estar em desuso entre a população feminina. Afinal, mulheres querem ser empoderadas, se mostrar válidas pelos seus talentos, potenciais e capacidades, e não apenas por curvas sinuosas ou estética facial. Mas se tornar a melhor em um concurso que passa pela avaliação não apenas de um júri de especialistas, mas de toda uma nação, imprime significados além desses imediatos. Representa, também, a confirmação de sua condição enquanto mulher. E para Alex, tal certeza tem outro peso. Essa, afinal, é a missão empreendida pelo protagonista de Miss França, uma comédia dramática que parte de uma visão bastante convencional de mundo para discutir temas bem mais contemporâneos, e o modo como empreende essa jornada ao menos possui sinceridade suficiente para justificar os esforços envolvidos.

Quando criança, naquele momento no qual todas as crianças da escola se põem diante dos colegas para revelar suas aspirações para o futuro (“quero ser astronauta”, “chefe de cozinha”, “policial”, “bombeiro”), Alex provoca primeiro espanto, para em seguida tal reação se transformar em deboche e bullying. Acontece que se trata de o Alex, um menino, e para aqueles ao seu lado nesse instante, a equação é simples: apenas meninas podem ser miss. Então, como ele ousaria desejar algo que lhe é impossível? O raciocínio é direto, e a idade é tão tenra que nem permite outras implicações. Porém, a mesma obviedade se dá em Alex. Ele, ao se olhar no espelho, vê apenas como uma garota. É assim que se enxerga, e mais importante, é como se sente. Portanto, ser uma miss, representante máximo da beleza feminina, ainda mais quando se é tão novo, não soa como algo impossível. Mas, assim como acontece a muitos, a vivência e o passar dos anos se encarregará de revelar a dureza desse caminho de pedras. E se tantos abandonariam tal aspiração a partir de determinado instante, para ele os desafios enfrentados serviram apenas para aumentar sua convicção.

Alex cresce, e como muitos jovens LGBTQIA+, se torna um rapaz isolado, quase um pária. Renegado pela própria família, acaba formando uma alternativa, como qualquer um em situação similare. A senhora viúva aluga diversos quartos da grande casa que possui, seja para imigrantes africanos ou asiáticos, para uma travesti que ganha a vida na noite ou para trabalhadoras braçais que tentam reconstruir a vida após terem deixado para trás suas terras natais. Da infância do menino, há apenas uma recordação: a amizade com Elias, um garoto como ele que, no entanto, teve um destino distinto, e hoje é conhecido nacionalmente como lutador de boxe. Essa relação merecia um olhar mais profundo, e poderia ter gerado uma das mais interessantes discussões da trama. Mesmo assim, é sólida o suficiente para fomentar o caráter de Alex. Afinal, dele se exigirá valentia para enfrentar os olhares não mais de uma classe de aula, mas agora de um país inteiro, quando decide participar do concurso de Miss França.

Alexandre Wetter é quem vive Alex. O rapaz, modelo que se tornou famoso quando apadrinhado por Jean-Paul Gaultier, tem o tipo andrógino exigido pelo tipo que tem em mãos, o passo mais ousado até o momento em sua carreira de ator. Antes, havia aparecido apenas em curtas-metragens ou feito pequenas participações em séries como Maravilhosa Sra. Maisel (2018) e Emily em Paris (2020). Agora, pelo contrário, surge à frente do elenco, carregando praticamente sozinho a história. E o faz com tamanha segurança e sensibilidade que o convencimento na ficção de que se trata de uma mulher de verdade se transmite também no lado de cá da tela, sem maiores ruídos. Alex é tanto ele quanto ela, dependendo apenas de uma questão de postura, figurino ou modo de falar. Uma proposta que soaria impossível há alguns anos, quando tratada como risível ou digna de desprezo, mas que aqui se assume como honesta e verossímil. Mérito do ator, que não por menos chegou a ser indicado, por essa composição, aos prêmios César e Lumiere, os dois mais importantes do cinema francês.

O desenrolar dos eventos relacionados ao concurso em si são um tanto redundantes, e acabam recaindo, inevitavelmente, ao segredo da personagem e quanto tempo irá levar até que seja descoberta pelas demais concorrentes. A estrutura não chega a apresentar novidade, mas abre espaço para boas performances, como a da organizadora Amanda, vivida por Pascale Arbillot (Faz-me Rir, 2022), que esconde com habilidade sentimentos insuspeitos por trás de um semblante pétreo, e a da principal rival entre as candidatas, papel de Stéfi Celma. Essa, ao lado de Thibault de Montalembert – que aparece quase irreconhecível, como a prostituta Lola – farão a alegria dos fãs da série Dez Por Cento (2015-2020). São pontos altos de uma caminhada não isenta de deslizes, ou até mesmo tropeços, mas que se justificam por alguns discursos não particularmente originais, mas necessários. O diretor Ruben Alves pode ter atingido notas mais altas com seu trabalho anterior, o divertido A Gaiola Dourada (2013), mas não deixa de fazer de Miss França uma ode à tolerância e à diversidade, focada mais na empatia por aquele numa situação que não é a sua do que pela necessidade de identificação. Conseguir se colocar no lugar do outro pode parecer pouco, mas é também o detalhe que termina por fazer a diferença.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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