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Sinopse

A famosa atriz Julie Varenne está desesperada por não agradar mais seu público. Quando finalmente consegue um bom contrato para estrelar uma comédia, se submete a um procedimento estético que não dá muito certo. É nesse momento que se lembra de Laurette, uma fã que conheceu há tempos, com quem se parece fisicamente. A atriz pede à desconhecida que se passe por ela durante as gravações, sem suspeitar de que a admiradora, na verdade, é sua irmã gêmea.

Crítica

Julie Varenne (Mathilde Seigner), atriz respeitada de filmes independentes, atravessa um momento de crise. Os papéis diminuem, assim como o reconhecimento de público e crítica. Eis que surge uma mulher idêntica a ela em termos físicos, ainda que oposta em temperamento. Uma é arrogante, a outra, gentil; uma se mostra a típica moradora da cidade, a outra, a afável interiorana; uma tem forte apetite sexual, a outra, apenas um sentimento materno aflorado; uma tem os cabelos escuros e lisos, a outra, claros e frisados. Julie e Laurette são concebidas como opostos exatos, o que pode implicar numa visão depreciativa das duas versões (a detestável mulher empoderada contra a cabeleireira inofensiva). No entanto, para a diretora Anne Giafferi, a busca pelo humor justifica as construções caricaturais.

O tema do duplo, essencial às farsas cômicas desde os primórdios do cinema, levanta algumas possibilidades interessantes de linguagem, às quais o filme alude em sua primeira metade. Por mais inverossímil que seja o encontro entre elas, ou a desconfiança da atriz em relação a um possível parentesco com sua cópia idêntica – estamos numa fábula, afinal -, o confronto entre Julie e Laurette proporciona algumas faíscas pertinentes à ideia do duplo. O que fazer quando a cópia se revela melhor que a original? Quando Julie contrata a sósia para substitui-la durante uma filmagem, de que maneira gerencia a sua própria imagem? Quem detém o poder, entre aquela que envia a outra em seu lugar, e a novata que, uma vez no set, pode agir como bem entender? A possibilidade de que ambas constituam dois lados da mesma mulher permanece no horizonte, num desdobramento da síndrome de Cisne Negro, ou ainda da dicotomia santa/prostituta. A mulher dócil e a mulher feroz seriam partes da mesma figura, buscando se encontrar para estabelecer um equilíbrio.

No entanto, a comédia está longe de se aprofundar em qualquer uma dessas questões. O roteiro, também assinado por Giafferi, prefere multiplicar os quiproquós, incluindo uma maquiadora vilã (Marie-Julie Baup), um interesse amoroso para cada uma das gêmeas, um confronto surpreendentemente leve envolvendo a separação de duas irmãs após o nascimento e o segredo de uma mãe idosa, ocultado por mais de 40 anos. Mesmo a diversão metalinguística de ver uma atriz inexperiente prejudicando uma filmagem profissional se torna limitado, visto que o filme privilegia as cenas fora do set. A adequação inesperada de Laurette ao papel principal da comédia-dentro-da-comédia e a transformação de Julie enquanto atriz são absurdas, mas o filme está disposto a jogar para debaixo do tapete toda a complexidade capaz de desviá-lo de seu foco principal, no caso, a aproximação inevitável entre as irmãs. A cineasta se delicia com penteados iguais, cenas simétricas de ambas dormindo na cama ou um mesmo coelhinho de infância guardado pelas duas.

Como se pode esperar, parte do deleite oferecido ao espectador dentro deste registro se encontra não nas reviravoltas da trama, e sim na composição dupla da atriz. Seigner se diverte interpretando as duas mulheres, e consegue trazer um pouco de sutileza aos traços exagerados do texto. Mesmo quando as irmãs possuem a mesma aparência, é possível distingui-las pelo silêncio, pelo olhar de cada uma (o pesar de Julie contra a descontração de Laurette). O corpo inteiro muda de postura, as palavras adquirem um ritmo único para cada personagem. As tentativas de Laurette em adquirir o tom sombrio de Julie, ou desta última em ser mais agradável para imitar Laurette fornecem alguns dos melhores momentos da comédia, quando se mistura um pouco os tons, ainda fornecendo ao espectador elementos suficientes para reconhecer cada uma e brincar com o abismo da farsa dentro da farsa. Os atores coadjuvantes ficam limitados a tipos muito simples: o empresário amigo (François-Xavier Demaison), o interesse amoroso (Arié Elmaleh), o diretor austero (Nicolas Briançon). Quanto à mãe/tia (Marie-Anne Chazel), a composição carregada se assemelha àquela de todas as mulheres na trama: é curioso que os homens adquiram um tom muito mais naturalista enquanto as mulheres se revelam carentes, inseguras, vaidosas, e mesmo histéricas.

A conclusão, momento essencial para se determinar o discurso de qualquer fábula, adquire os contornos mais adocicados possíveis. Os rumos oferecidos a Julie e Laurette são improváveis mesmo dentro da narrativa assumidamente irreal – a fábula converte-se então em conto de fadas. À medida que abre mão do naturalismo, a diretora acredita aprofundar a recompensa emocional a cada uma das mulheres (paz de espírito e amor romântico, essencialmente). Minha Irmã de Paris – título enganoso, por supor que o ponto de vista pertence a Laurette, enquanto a protagonista é Julie – fornece uma brincadeira divertida em alguns momentos, ainda que alegremente superficial. A linguagem cinematográfica, reduzida a planos e contraplanos para facilitar a duplicidade de atriz, além de algumas imagens abertas mal trabalhadas (a festa de aniversário), contenta-se com o mínimo necessário para não atrapalhar o texto. Giafferi orquestra uma obra dedicada aos diálogos e reviravoltas cênicas, sem pretensões estéticas particulares. Vale pelo escapismo, e pelo prazer de testemunhar o prazer alheio, no caso, a desenvoltura de Seigner em registros distintos.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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Grade crítica

CríticoNota
Bruno Carmelo
5
Alysson Oliveira
6
MÉDIA
5.5

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