Crítica
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Sinopse
Em Megalópolis, a cidade de Nova Roma é palco de um conflito épico entre Cesar Catilina, um artista genial a favor de um futuro utópico e idealista, e seu opositor, o ganancioso prefeito Franklyn Cicero. Entre os dois está Julia Cicero, com a lealdade dividida entre seu pai Cesar e Franklyn, seu amado, tentando decidir sobre qual futuro a humanidade merece. Exibido no Festival de Cannes 2024.
Crítica
“Decifra-me ou te devoro”. Segundo a mitologia grega, essa era a frase dita pela Esfinge de Tebas aos viajantes que cruzavam o seu caminho. Seguir em frente somente era possível se o enigma fosse plenamente decodificado. Com seu mais novo filme, o pretensioso Megalópolis, Francis Ford Coppola se veste de Esfinge e nos propõe uma charada grandiloquente a ser resolvida. Uma vez que não “acertamos a resposta”, a interrogação nos abocanha. Por um lado, é muito bonito contemplar um cineasta octogenário mantendo acesa a chama da invenção, em busca de outras formas de fazer cinema. Nesse sentido, a produção autofinanciada por Coppola é como um oásis no deserto. Mas, por outro lado, são muitos os indicativos de que a jornada ficou grande demais para as possibilidades criativas atuais de um realizador aparentemente ainda à procura de algo. Depois de nos presentear com alguns dos mais importantes filmes norte-americanos nos anos 1970/1980, Coppola vem tentando encontrar outra voz e os seus novos traços como autor. O protagonista da vez é Cesar Catilina (Adam Driver), descobridor de um material revolucionário que sonha em construir a partir dele uma cidade dentro da fictícia Nova Roma. Ele é o utopista, o equivalente ao personagem Ícaro (novamente a mitologia) que pode queimar as asas ao voar próximo demais do sol. Cesar vive numa metrópole inspirada no Império Romano, o que leva Coppola a fazer várias sugestões de grandiosidade e vocação para a ruína. Nada que dure muito.
Francis Ford Coppola rege Megalópolis com solenidade, alternando os planos de Cesar com as artimanhas do prefeito vivido por Giancarlo Esposito, criando entre eles um antagonismo palaciano/shakespeareano. E, como convém a uma das histórias populares do Bardo, em dado momento surge a nova versão de Romeu e Julieta, o amor entre membros de famílias rivais. E o que Coppola faz com essa tradição britânica? Ele tenta. O desperdício das referências se repete em outras citações que o cineasta norte-americano faz de William Shakespeare ao longo dos desafiantes quase 140 minutos de duração da epopeia. Há a interesseira interpretada por Aubrey Plaza que, lá pelas tantas, assume timidamente a máscara de Lady MacBeth. Aparece também o momento Hamlet na declamação por parte de Cesar do famoso monólogo “ser ou não ser”. Aparentemente, Coppola cria uma tensão entre utopistas e realistas rumo às distopias. Cesar é um vilão egocêntrico ou um revolucionário do qual as sociedades conservadoras pregam certa distância por medo das transformações radicais? Nenhum personagem tem profundidade emocional, psicológica ou mesmo tanta relevância como símbolo. Isso porque Coppola troca ansiosamente de perspectivas, não dá tempo para as circunstâncias se assentarem e a fim de criarmos laços com as pessoas envolvidas nesse futuro em que um homem pode parar o tempo.
Há quem diga que Megalópolis é avançado demais à atualidade, que os descontentes de agora se curvarão amanhã às qualidades além da compreensão presente. Tudo é possível, sem dúvida. Porém, é mais provável que, ao revisitar a obra de Francis Ford Coppola, esse filme seja muito mais citado por conta do incomum autofinanciamento e pela pretensão operística do cruzamento de Shakespeare e Império Romano. Coppola até cria bons instantes, especialmente ao utilizar o herdeiro mimado interpretado de maneira bastante afetada por Shia LaBeouf como caricatura dos políticos populistas/carismáticos que flertam com o fascismo. No entanto, se não vai muito longe na construção das intrigas em Nova Roma, se contentando em colocar atores e atrizes conhecidos em papéis anunciadamente importantes, Coppola derrapa ao desenvolver o aspecto sentimental da trama. Cesar é um herói romântico de ambiguidade mal elaborada com seus discursos empostados sobre a necessidade de pensar no futuro nem que isso signifique correr riscos. Mas, o envolvimento do protagonista com a personagem de Nathalie Emmanuel é feito de flashes filmados com fundos artificiais de baixa qualidade. O filme é pobre de texturas, sempre que pode recorrendo a imagens digitais meio esfumaçadas para sugerir algo sublime. Ameaças, reencontros, instantes de intimidade, nada disso funciona nesse campo esburacado.
Diante de Megalópolis, fica a sensação de que Francis Ford Coppola filmou uma quantidade enorme de material e teve de recorrer a floreios narrativos para tentar conectar noções que simplesmente não funcionam em conjunto. Certos segmentos anunciados como importantes são abandonados ao longo do caminho. Por exemplo, quando Cesar é colocado diante do dilema “obra ou amor?”, ao ser chantageado pelo sogro que não gosta da ideia de o ter na família, parece que a separação vai causar algo. No entanto, a ruptura é apalavrada, logo soterrada por algumas subtramas e assim acaba perdendo a relevância. O mesmo acontece com determinados coadjuvantes, vide o banqueiro interpretado por Jon Voight, simplesmente o rei cobiçado pelos herdeiros – olha outra alusão a Shakespeare: Rei Lear –, e o benfeitor capitalista vivido por Dustin Hoffman, uma figura sem função dramática, quando muito parte de um sintoma. No último terço dessa produção cara e ambiciosa, ficam ainda mais evidentes o discurso romântico pueril e a dificuldade para remediar essa bagunça generalizada. Próximo do encerramento, o povo se encarrega do populista, o herói abre os portões do novo mundo aos refugiados e até mesmo o imperador tem um surto filantrópico providencial. Tudo adequado ao positivismo inocente com o qual Francis Ford Coppola decide terminar seu filme. O gigantismo é proporcional ao tombo.
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