Crítica
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Sinopse
Maria, uma dedicada esposa, mãe e avó, imigrou de Hong Kong para o Canadá há 39 anos. Ela veio acompanhada pelo marido, com o objetivo de criar uma vida melhor para seus filhos. Após suspeitar de uma traição amorosa do companheiro de tantos anos, busca reconstruir sua própria existência.
Crítica
Maria Wang (Pei-Pei Cheng) é uma mulher em busca de si mesmo – ainda que nem ela tenha percebido isso ainda. A protagonista de Meditation Park passou a vida preocupada única e exclusivamente com a família: a jornada do marido, que saiu de Hong Kong e os levou até o Canadá em busca de uma vida melhor, a criação dos dois filhos e a manutenção da ordem da casa. Isso, no entanto, é uma verdade de aparências, aquela que parece bonita quando observada à distância, mas que revela rachaduras aos olhos de qualquer um que se aproxime. Aliás, é exatamente o que ela começa a fazer a partir do momento em que descobre algo que vai contra tudo o que acredita. Primeiro renega. Depois, aceita. Por fim, combate. Nada, no entanto, é tão didático no filme escrito e dirigido por Mina Shum – e esse é justamente o maior dos seus méritos.
Num jantar íntimo, logo no começo do filme, para comemorar os 65 anos do patriarca, já se percebe a primeira fissura: apenas a filha, acompanhada do marido e do filho, está presente – onde, portanto, está o irmão dela? Maria não parece tomar conhecimento dessa ausência, algo que se revela, não muito depois, como reflexo de uma determinação do marido – o rapaz está “morto” para os pais. A grave falha que ele teria cometido teria sido estar ausente durante uma homenagem ao pai. Quando o convite para o casamento do jovem chega, é só à mãe que está endereçado. E nem ela sabe ao certo o que fazer. De imediato, descarta a ideia de comparecer: o marido não deixa, afinal. Mas, aos poucos, começa a questionar essa realidade. Pois lhe fica cada vez mais claro que nem todas as decisões do marido parecem ser tomadas pensando no melhor para ambos.
Isso é algo que ela vai descobrir a partir do momento em que encontra uma calcinha – de uma outra mulher, que fique claro – no bolso da calça do companheiro de tantos anos. Sua reação inicial é de repulsa, jogando a mínima peça no lixo. Depois a recolhe, colocando-a novamente no lugar onde a encontrou. O passar dos anos lhe ensinou que nada pode ser mais gratificante do que a paciência. Deseja, portanto, observar a reação do homem que agora lhe soa como um estranho. Estaria ele com uma amante? A dúvida não perdura muito. Ele não apenas tem outra, como essa é muito mais jovem e lhe oferece uma vivacidade que há muito não sentia – tanto que está com planos de viajar ao Japão com ela, sob a desculpa de um compromisso de trabalho, deixando a esposa para trás. Mas Maria está desperta, e determinada a não ficar mais resignada a um segundo plano.
Algumas decisões de Maria são difíceis de ser assimiladas de imediato. Primeiro, a refusa em ir à cerimônia do filho. Depois, ao se confrontar com a mulher que disputa seu espaço ao lado do marido, lhe faz um pedido, no mínimo, incomum. Mas há mais ali do que reações superficiais e instintivas. Há a reflexão a partir de uma vida de experiências. E ela sabe bem que, como em qualquer jogo, por vezes é preciso recuar para, logo adiante, avançar com maior segurança. Nesse processo, é curioso também o envolvimento dela com os vizinhos, sejam as amigas que se ocupam vendendo ilegalmente vagas de estacionamento em terrenos privados – como se a pequena infração que cometem lhes oferecesse uma excitação há muito perdida – ou mesmo com o drama de Gabriel (Don McKellar), que está em situação parecida com a dela, porém de modo mais trágico – também prestes a perder a esposa, mas para uma doença irreversível.
A lição para Maria, portanto, parece evidente: enquanto há vida, há também esperança. E não se fala em grandes feitos, mudanças radicais ou gestos grandiosos. Por vezes, pequenas atitudes podem fazer a diferença. Sandra Oh, no papel da filha, surge nesse contexto quase como a voz da razão, o ‘grilo falante’ necessário para relembrar obviedades um tanto esquecidas. “Ela é uma mulher adulta, capaz de tomar suas próprias decisões”, declara, referindo-se à mãe, em uma discussão com o pai. E ela tem toda a razão. Parece chover no molhado, mas há situações em que a repetição se faz não somente justa, como também necessária. É o estalo do início de uma nova narrativa. Afinal, nem sempre é preciso ter a segurança de saber para onde se vai. Dar o primeiro passo pode ser mais do que o suficiente.
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