Crítica
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Sinopse
Os palhaços Jurema e Bandeira, a bordo de um Fusca, vão à Zona da Mata pernambucana em busca de outras figuras da cultura popular: os Mateus, dos grupos de cavalo-marinho, companheiros brincantes.
Crítica
Folguedo típico da Zona da Mata pernambucana, o Cavalo-Marinho possui quase cem personagens, mas nenhum é tão emblemático quanto o Mateus. Espécie de palhaço de cara pintada de preto – a fim de assinalar a forte presença do trabalhador negro na região –, ele é um brincante, espírito livre que atravessa as festas alegrando os presentes e propiciando a atmosfera lírica. Mateus é um documentário, ao mesmo tempo, de conexão e resgate. Cláudio e Odília, dois artistas que se apresentam de forma itinerante, resolvem cair na estrada num saudoso fusca azul para encontrar os considerados mestres, homens que mantém crepitando a chama da manifestação cultural de extrema valia, mas praticamente desconhecida nas outras regiões do Brasil. No começo o filme se atém, basicamente, às apresentações dos protagonistas, assim os revelando ao espectador e deixando, no processo expositivo, que a paixão por esse universo seja devidamente posta.
Na medida em que a dupla se embrenha na tradição mantida pelos brincalhões remanescentes, o documentário se aprofunda em determinados meandros, nem por isso negando a centralidade ao registro do bem imaterial de valor inestimável. Odília, gradativamente, ganha espaço em função de uma missão pessoal. Dentro do Cavalo-Marinho até a personagem feminina principal, a Catira, esposa de Mateus e Bastião, é interpretada por homens. Ela, portanto, no contato com esses guardiões da memória cultural, também está em busca, de certa forma, de autorização para encarnar a figura espevitada. A cineasta Dea Ferraz pontua em diversos momentos a tentativa de quebrar um paradigma, algo que não encontra resistência nos visitados. Apenas um deles faz ressalvas quanto a atuação feminina dentro do Maracatu, mas não no folguedo esquadrinhado. Sendo assim, o folclore permite abarcar alternativas anteriormente consideradas interditadas.
Mateus apresenta duas pessoas transformadas pelos encontros, ainda que a mutação não tenha sinais visíveis a olho cru. Chama a atenção que os mestres são homens idosos, nem todos com aparente vitalidade necessária para aquela atividade composta de cantorias, rimas, improvisações, músicas e bom humor. Porém, basta surgir o convite para apresentações na lona montada em frente ao fusquinha azul para que eles se inflamem por completo, imediatamente melando a cara, colocando adereços e se vestindo de colorido para encarnar aquele que pode tudo, o falante desbragado sem medo da censura. Um dos consultados menciona a senzala dos africanos escravizados no Brasil como lugar onde o costume nasceu. O filme perfaz caminhos imaginários e cria um mosaico histórico condicionado para urgente perpetuação da cultura popular, então valorizada na telona. Os dois protagonistas ora são aprendizes, ora entrevistadores, numa dinâmica instigante e bela.
Contudo, o traço mais bonito desse elo com as heranças enraizadas é exatamente o tatear de Odília. A câmera se reporta mais a ela nesses instantes de troca, com os anfitriões não demonstrando receios diante da artista obviamente apaixonada pelo folguedo, assim como eles próprios. Anteriormente, mulheres não poderiam interpretar as personagens do Cavalo-Marinho. Essa quebra de uma estrutura leva a jovem ao choro em certas passagens, especialmente assim que alguém por ela admirado tece loas à sua qualidade como brincante popular. Dea Ferraz captura esses processos com sensibilidade, evitando ancorar-se em focos tão específicos, ainda que os explore em meio a esse percurso de aprendizado pela Zona da Mata pernambucana. Às vezes ela poderia deter-se um pouco mais nas potencialidades à disposição, ou mesmo investir em simples variações, mas a forma como sublinha a graça da jornada dos palhaços, bem como a sua linda missão, já vale, e muito.
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