Crítica


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Sinopse

A Barra da Tijuca está sendo assolada por uma onda que crimes brutais. Corpos são encontrados todos dias, desmembrados e violentamente estripados. Em meio a tudo isso, os jovens da região começam a criar histórias fantasiosas que supram a necessidade de uma explicação. É nesse cenário que está inserida Bia, uma jovem imprudente que se depara com um desses cadáveres e passa por uma epifania: é preciso viver no limite, antes que seja tarde demais. Colocando o seu próprio corpo a prova, a garota vai experimentar limites para se sentir mais viva que todos ao seu redor.

Crítica

A morte e o desejo se interpenetram em Mate-me Por Favor, estreia da cineasta Anita Rocha da Silveira em longas-metragens. A protagonista é Bia (Valentina Herszage), uma adolescente como qualquer outra, naquela fase de descoberta do amor e do sexo, sempre cercada de amigas. O diferencial é o medo sentido, que paira no ar após uma série de assassinatos próximos dela. As vítimas são violentadas e espancadas até não mais suportarem. Tudo ocorre na Barra da Tijuca, bairro da zona oeste carioca em constante expansão, cenário caracterizado por prédios altos e condomínios fechados. Não há adultos em cena, apenas garotos e garotas com seus anseios, vontades e contradições, sensações mediadas pela iminência de algo ruim que não sabemos se sobrenatural, extraterreno ou simplesmente fruto de uma mente doentia. O suspense é um dos combustíveis deste filme pouco afeito a respostas, no qual mergulhamos pelo pungente encadeamento das situações.

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Quase isolados do mundo externo por conta dos muros das propriedades, vivendo tão e somente sua realidade, os estudantes desenvolvem fascínio pela sucessão de crimes. Anita dá suporte a essa curiosidade jovial, sedutora e insensata, com uma construção imagética que amplifica a estranheza do ambiente. Outros signos são utilizados para potencializar o absurdo, sendo o principal deles o fundamentalismo. As pregações de uma jovem e fervorosa pastora, vestida como se pronta para festa, adquirem tom de ameaça, não de conforto, pois relacionam a volúpia, o querer, com posteriores e inevitáveis castigos. Alguns amigos de Bia, incluindo seu namorado culpado por transar antes do casamento, se apegam demasiado às palavras proferidas no altar. A música gospel em ritmo de funk surge para pretensamente aproximar Deus dos mais novos, outro achado de Anita, ela que alude aos estratagemas das religiões para a renovação dos fieis, bem como expõe a autoridade repressora dos dogmas.

Mate-Me Por Favor se adensa à medida que Bia mergulha num universo enigmático. A esquisitice do irmão mais velho, grudado no computador à espera da mulher amada, a relação tumultuada com o namorado que não resiste aos beijos mais quentes e se entrega ao “pecado” da luxúria, a mudança gradativa dos demais personagens, talvez respostas inconscientes à proximidade de Bia com o macabro, são elementos que trazem ao filme uma atmosfera carregada. A ilusão de saber o necessário a respeito das pessoas para enquadrá-las em arquétipos é desfeita com o passar do tempo. A imprevisibilidade ganha ares de protagonista. Deixando de lado a caçada ao serial killer, Anita nos envolve numa jornada cinematográfica hipnótica. Entregamo-nos a uma investigação bem mais sensorial que objetiva, relegando porquês ao segundo plano. Assim como Bia que, a partir de dado evento, se deixa levar pelo instinto, somos convidados a aceitar o mistério e sorvê-lo com prazer.

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Luzes que anulam momentaneamente o escuro, comportamentos estranhos, incidentes tão inexplicáveis como a motivação dos assassinatos, são artifícios que apontam na direção do desconhecido, atiçando nossa curiosidade. O olhar vidrado das meninas, as marcas que aparecem em seus corpos - exterioridades das pequenas fraturas psicológicas e sentimentais sofridas cotidianamente -, encontram ecos na impessoalidade atemorizante dos matagais e dos terrenos baldios. As retroescavadeiras e as outras máquinas que prenunciam mudanças na paisagem são monstros do progresso, este fluxo que muitas vezes trata de desumanizar. Embalado pela trilha musical que resgata os funk melody dos anos 1990, além de alguns sucessos internacionais facilmente reconhecíveis, Mate-me Por Favor se atém a uma juventude simbolicamente vampirizada, valendo-se da alternância, e até mesmo da interseção, entre fábula e realidade, para mostrar o terror presente no dia a dia, seja ele metafórico ou literal.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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