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Sinopse

Depois de fugir de um hospital psiquiátrico, Leatherface rapta uma enfermeira e começa uma terrível viagem.

Crítica

O enredo de Massacre no Texas se passa cronologicamente antes dos acontecimentos vistos no clássico O Massacre da Serra Elétrica (1974). Essa história de origem mostra como “nasceu” Leatherface, um dos assassinos em série mais icônicos do slasher norte-americano. Nela se opta pela construção de um perfil psicológico a fim de justificar a sanha homicida do sujeito que empunha uma serra elétrica e é mascarado com a pele das vítimas. Portanto, trata-se de uma abordagem distante da noção de personificação do mal, pois confere contornos humanos a uma figura encarada pelo senso comum somente como uma monstruosidade disforme. Os cineastas Alexandre Bustillo e Julien Maury fazem um evidente aceno à tradição do slasher, subgênero do horror caracterizado por matadores que utilizam objetos cortantes e/ou pontiagudos, ao mostrar a primeira vítima da família Sawyer no começo do longa-metragem. Dois adolescentes estão se insinuando sexualmente nos anos 1950 quando a menina decide (imprudentemente) seguir uma criança pela floresta. A “punição” pela libido manifestada é um dos traços do slasher – quantas vezes você assistiu a filmes em que os adolescentes “transantes” são os primeiros a morrer? O reaproveitamento da situação aqui é uma piscada, a demonstração da consciência.

Consciência essa dos elementos que são caros ao subgênero, ou seja, uma noção do terreno no qual se está pisando. O fato de a vítima ser filha do chefe de polícia local, Hal (Stephen Dorff), nem tem importância, nem como motivador do impulso vingativo chancelado pelo distintivo. A dupla de realizadores tem outros planos para a esse agente da lei que tem diversos acessos de perversidade ao longo de Massacre no Texas. E isso diminui a importância do vínculo entre a morta e o pai enlutado. Um dos aspectos mais interessantes desse que é o oitavo filme da Saga :: O Massacre da Serra Elétrica é a construção da ideia de que a família e o Estado não são dignos de confiança, pelo contrário, pois capazes de corromper alguém e destroçar sua individualidade. Senão vejamos. O menino Jed (Boris Kabakchiev) não se sente nada confortável diante do comportamento dos seus parentes (os Sawyer), principalmente quando é obrigado a fatiar um sujeito com a indefectível serra elétrica – que, na verdade, nem é elétrica, pois uma ferramenta movida a combustível. Adiante, quando nos deparamos com a sua versão adulta, ele está trancafiado numa instituição psiquiátrica para jovens com algum distúrbio mental e/ou comportamental. E, ao contrário do que se imagina, essa estrutura a serviço do Estado também faz questão de destroçar o que restou do psicológico desse alguém subtraído de sua identidade.

Ainda sobre essa construção interessante do imaginário em que família e Estado são instituições potencialmente perversas – e isso afronta o senso comum que aponta ambas como seguras –, Massacre no Texas coloca os policiais como vilões insensíveis que reforçam a estrutura brutal em torno de Leatherface. Hal é o representante dessa legalidade disposta a quebrar protocolos e regras para fazer valer uma linha de pensamento quase tão deturpada quanto os impulsos assassinos da família Sawyer. Mesmo o único agente da lei que parece orientado por um genuíno senso de justiça mostra as garras em determinado momento e reforça esse pacto virtual entre família e Estado para, respectivamente, asfixiar a individualidade (tornando os parentes todos farinha do mesmo saco) e tratar doentes mentais como criaturas de segunda categoria que merecem o sofrimento e a clausura. Alexandre Bustillo e Julien Maury poderiam equilibrar melhor a sanguinolência típica do slasher com esses subtextos capazes de elevar a trama a outros patamares. No entanto, eles não tratam a revelação do policial supostamente bonzinho como algo indicativo e tampouco reforçam, em meio às perseguições, que na verdade Leatherface é um subproduto do meio social/afetivo totalmente corrompido no qual cresceu e se desenvolveu. Até mesmo a transformação final do sujeito em monstro é repentina demais.

De toda forma, Massacre no Texas equilibra relativamente bem a tensão da perseguição com a gênese de um dos homicidas fundamentais do slasher dos Estados Unidos. As cenas mais graficamente violentas são bem feitas, com destaque para uma das execuções finais, a de alguém praticamente partido ao meio com a serra. Quanto às interpretações, elas funcionam bem dentro de uma concepção arquetípica, ou seja, a partir da abordagem de pouco aprofundamento psicológico e do privilégio a modelos mais ou menos limitados de personalidade. Stephen Dorff tem bom desempenho como o policial que representa o poder oficial deformado pela agressividade. Lili Taylor também se destaca como Verna Sawyer, a matriarca da família de caipiras assustadores representantes do que nos Estados Unidos é chamado de white trash – termo pejorativo utilizado para designar pessoas brancas da classe trabalhadora, não raro cultoras de valores agressivos e de baixo estatuto social, transformadas tantas vezes vilões dos slasher. O andamento da trama é um pouco previsível – talvez como decorrência de um excesso de reverência, da tentativa de não fugir demais do modus operandi da saga que começou com um filmaço dirigido por Tobe Hopper. Pelo menos, entre mortos e feridos, salva-se a ótima provocação: o ser humano nasce bom. Família e Estado o corrompem.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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