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Sinopse

Na residência dos Weiss a normalidade é, no mínimo, diferente. O pai é terapeuta de celebridades, às voltas com uma paciente perturbada pelo espírito da mãe. A filha recebe alta da reabilitação, enquanto o irmão é internado.

Crítica

Há uma similaridade insuspeita entre a chegada de Agatha Weiss (Mia Wasikowska) à Hollywood em Mapas para as Estrelas e o mesmo movimento inicial de Betty, personagem de Naomi Watts em Cidade dos Sonhos (2001). Enquanto no filme de David Lynch a menina do interior se deslumbra com as inúmeras possibilidades (idealizadas) de Los Angeles, nesta mais recente realização de David Cronenberg a aproximação parte do ridículo, afinal a novata Agatha trafega numa limusine alugada, curiosa sobre o endereço de atores e subcelebridades. Nessa aparente disparidade reside uma intenção próxima, que é mostrar as estranhas de uma cidade severamente deteriorada em seus mais diferentes estratos, mas que mesmo assim, ou talvez por isso mesmo, sobreviva vendendo sonhos.

Logo, Hollywood está na berlinda, sendo vista de dentro para fora, estudada em seus aspectos mais controversos e grotescos. Havana Segrand (Julianne Moore) é o típico retrato escrachado da atriz que vive à deriva entre pílulas, gurus de autoajuda e a fuga de uma realidade dura: o cinema, este encantador de serpentes, está a abandonando aos poucos. A miséria de sua peregrinação por festas regadas à fofoca, intriga e sexo corriqueiro não é menos bizarra que sua oscilação entre euforia, depressão e paranoia (efeito dos remédios?), isso enquanto tenta a todo custo reviver o papel que pertenceu à mãe no passado. Constantemente são citados nomes reais do firmamento showbiz, o que garante não apenas fácil identificação, mas também algumas boas risadas, como quando certo astro adolescente se vangloria de ser orientado pelo mesmo profissional que ajudou Robert Downey Jr a superar o vício nas drogas.

Aliás, talvez este seja mesmo um dos trabalhos mais irônicos de David Cronenberg. Ele não dissocia riso e incômodo em Mapas para as Estrelas, toda cena cômica é construída a partir de comportamentos e situações insólitas, quando não bizarras. Assim, a plateia ri espontaneamente quando alguém, por exemplo, comemora determinada tragédia alheia que lhe será favorável profissionalmente, ou mesmo numa cena aparentemente corriqueira de banheiro, mas que mostra bem essa harmonia precisa e, mais que isso, uma interdependência entre comédia e tragédia. A escatologia, comum no cinema do canadense, também está presente, principalmente representada pelo sangue oriundo das mais diversas situações.

O incesto é elemento quase onipresente em Mapas para as Estrelas, responsável por lhe conferir boa parte do peso. Primeiro a alusão aos abusos que Havana hipoteticamente sofria da mãe e depois os segredos aos poucos revelados da família Weiss (que de núcleo coadjuvante passa gradativamente à posição central). Esse grande tabu social sedimenta o rompimento de diversas ordens, sejam elas coletivas ou privadas. A aparição constante de assombrações a Benjie (Evan Bird), Agatha e Havana, ou seja, aos filhos dessas famílias marcadas por expedientes anômalos, é outro artifício que estreita o espaço entre os personagens e o abismo.

Entre profissionais de retórica questionável, atrizes excêntricas, aspirantes ao estrelato, astros mirins envoltos com drogas, psicóticos capazes de atentar contra a vida do próximo sem motivo aparente, David Cronenberg constrói um filme que vai se adensando enquanto avança. Há muito que reter não apenas da relação dos personagens, dessa pequena mitologia alimentada pela psicanálise (não só por ela, é certo, mas principalmente por ela) na qual o filme ergue sua fundação, mas da maneira como a câmera do cineasta traz à tona o intangível, ou seja, a deformidade inerente a cada um, que se sobrepõe a qualquer sinal físico e, portanto banal, em eventual desacordo com o que é considerado normal.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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