Mais Um Verão em Família

Crítica


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Sinopse

Em Mais Um Verão em Família, quase 30 anos após o primeiro encontro, as famílias Molino e Mazzalupi retornam a Ventotene para novas férias de agosto, trazendo à tona antigas rivalidades e novos desafios. O reencontro, com seus diferentes estilos de vida e valores, transforma o Ferragosto em uma nova disputa. Exibido no Festival de Cinema Italiano no Brasil 2024

Crítica

Filme selecionado para o 19º Festival de Cinema Italiano no Brasil, Mais um Verão em Família é um exercício de nostalgia. Sequência tardia de Ferie d’agosto (1996), ele mostra novamente as famílias Molino e Mazzalupi durante férias de verão na ilha de Ventotene, local histórico para onde foram enviados opositores do fascismo (em sua maioria comunistas) entre os anos de 1941 e 1943. Depois de quase 30 anos do primeiro encontro dos clãs ideologicamente antagonistas, os personagens estão em outros momentos de suas vidas. São outras pessoas. E o cineasta Paolo Virzì promove com eles uma discussão a respeito do fascismo na nossa contemporaneidade em que as extremas direitas avançam sobre a Europa como se num período relativamente recente não tivessem cometido atrocidades capazes de deixar marcas no mundo. No entanto, mesmo que este texto tenha começado classificando a produção como “exercício de nostalgia”, é preciso dizer que a atenção ao passado não acontece de maneira sentimentalista ou fetichista. Aliás, o espectador ignorante sobre o fato de que trama é uma sequência provavelmente enxergará com surpresa flashes com imagens dos atores e atrizes mais jovens interagindo. Virzi não transforma esse retorno numa visita guiada pela história pregressa dos personagens. A isso prefere pensar na memória como uma instância essencial coletiva e ampla, não como o receptáculo individual.

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Claro que saber de determinadas conexões anteriores ajuda na observação dos personagens. Porém, levando em consideração que Paolo Virzì está mais interessado em mostrar a lembrança como antídoto contra o autoritarismo dentro de uma perspectiva atual, são menos importantes os ligeiros instantes de saudosismo a respeito do que aconteceu naquele verão de 1996. O filme começa com a balbúrdia envolvendo a chegada das duas numerosas famílias à Ventotene, um paraíso que guarda pouquíssimos resquícios dos tempos difíceis nos quais os opositores do fascismo passaram ali. A ilha virou um cenário idílico tão propício para o descanso quanto para a ostentação de eventos cafonas nas redes sociais. Mais um Verão em Família mostra os Molino como grupo em torno da doença degenerativa que transforma o seu patriarca numa testemunha oscilante entre a clareza e o esquecimento. Esquerdista ferrenho, Sandro (Silvio Orlando) transita pelas alamedas do local lembrando dos velhos tempos de resistência, tentando transmitir esse ímpeto às gerações futuras, mas às vezes é incapaz de se lembrar do nome de um parente ou amigo qualquer diante de si. Seu filho é magnata das comunicações e fica evidente a tensão entre eles, afinal de contas para um homem como Sandro a pura existência de bilionários é uma abominação. Virzi trabalha sensivelmente esse curto-circuito entre figuras de gerações distintas.

Mais um Verão em Família também tem do outro lado, o dos Mazzalupi, a matriarca sofrendo com uma doença degenerativa semelhante a de Sandro. Pena que o cineasta não correlacione tão bem quanto poderia o fato de essas duas famílias com concepções ideológicas antagônicas serem chefiadas por pessoas condenadas ao esquecimento. Isso porque a matriarca não é tão desenvolvida no filme, sendo apenas a possibilidade de uma ponte entre os grupos em conflito. A figura mais importante dos Mazzalupi é Sabrina (Anna Ferraioli Ravel), celebridade das redes sociais prestes a se casar com um sujeito tosco e declaradamente conservador. Antes mesmo de recolocar os dois clãs em rota de colisão para extrair algo veemente dos choques de ideias, o experiente cineasta elabora as dores e as delícias internas tanto dos Molino quanto dos Mazzalupi. Expectativas que o tempo não cumpriu, frustrações decorridas da sensação de perda, a incomunicabilidade entre pessoas que se amam, a incapacidade de conversar abertamente sobre coisas incômodas, a repressão de sentimentos e a erupção de velhos desejos adormecidos. Portanto, antes que o filme proponha uma disputa política mais escancarada, ele é preenchido de humanidade, estofado com os vícios e as virtudes dos personagens que assim ganham dimensões para além do posicionamento ideológico. E esse é o principal dos méritos do filme.

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Com tantas individualidades, normal que algumas delas acabem sendo eclipsadas. Ainda assim, uma pena que Paolo Virzì não mergulhe um pouco mais nos abismos entre o pai esquerdista e o filho bilionário, assim como também infelizmente não elabora as expectativas da garota considerada o patinho feio que desabrochou em virtude dos vídeos virais de maquiagem. Em meio ao reencontro dos Molino e Mazzalupi, a obsessão pela celebridade é enxergada como sintoma do mau gosto de um conservadorismo mais preocupado com a ostentação on-line do que com a preservação de patrimônios. O noivo de Sabrina é desenhado como uma caricatura desses aproveitadores que utilizam os ideais do conservadorismo enquanto escudos para seguir avançando contra a resistência daqueles que acreditam no mundo como um lugar propício à igualdade. No fim das contas, fica muito evidente a qual das famílias Virzi é mais politicamente alinhado, sobretudo pela maneira como aborda os conflitos internos dos Molino (sempre com um toque a mais de graça) e os dos Mazzalupi (sempre puxando um pouco para o ridículo proveniente de suas ações). De toda maneira, mesmo desperdiçando algumas possibilidades para elevar a potência das metáforas e do resultado emocional dessa operação graciosa e nostálgica, Virzi revisita personagens e mostrar que suas lutas precisam ser travadas no agora.

Filme visto no 19º Festival de Cinema Italiano no Brasil em dezembro de 2024.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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