Onde Assistir
Sinopse
Crítica
Na maioria das comédias, incluindo as mais populares, a descoberta da radiografia de duas pessoas fazendo sexo seria apenas o motivo de uma piada com o improvável acontecimento e com a imagem em raio-X de um pênis ereto. Em Maggie, este objeto aparece meia dúzia de cenas, motivando letreiros na tela, uma explicação em off dos funcionários e testes elaborados por casais de namorados preocupados em saber se eram eles os atores da imagem (afinal, nesta trama, muitos casais usam a sala de raio-X para fazer sexo). A comédia sul-coreana está repleta de pequenos elementos como este, utilizados e reutilizados à exaustão, em uma trama cujo único prazer parece ser rir de sua própria malícia.
A narrativa se organiza em torno de esquetes apenas discretamente conectadas: a busca por uma aliança perdida perto do trem, a ruptura de uma funcionária com o namorado pouco carinhoso, o comercial de televisão gravado pela cirurgiã, a presença de um peixe-gato que chama seu dono de “papai”, e cujo nome, Maggie, batiza o filme. Embora os personagens se cruzem, suas ações são plenamente inconsequentes, e não afetam umas às outras. Trabalhando na chave do absurdo, a diretora Yi Ok-seop acredita-se em direito de fazer o que quiser, algo que certamente possui sentido enquanto liberdade criativa, mas que soa condescendente e pueril enquanto ferramenta de comunicação. A comédia move-se aleatoriamente, tanto nas cenas em que aborda questões leves (a descoberta dos anéis para dedos do pé) quanto nos momentos em que deveria adotar uma responsabilidade muito maior (caso da violência contra a mulher).
Maggie soa como uma onerosa brincadeira juvenil. É impressionante que a diretora disponha de muitas dezenas de cenários, efeitos especiais consideráveis, bom trabalho de luz e atores competentes para um projeto que se resume às piadas com a saga O Senhor dos Anéis (2001-2003) e às atitudes improváveis dos funcionários de um hospital onde nenhum paciente é atendido de fato. A diretora tenta fundir o estilo das comédias adolescentes independentes (muita trilha sonora doce, personagens ensimesmados, o flerte com a morte) com o besteirol das comédias físicas à la Aperte os Cintos, o Piloto Sumiu! (1980) e Corra que a Polícia Vem Aí (1988). No caminho, atropela elementos capazes de trazer alguma referência com a realidade, como a miséria dos personagens de classe média-baixa e o empoderamento da enfermeira principal, quando se livra do namorado abusivo.
O roteiro acena para outro questionamento potencialmente interessante, evocado uma dezena de vezes: a necessidade de acreditar no improvável, ou seja, aplicar a suspensão da descrença não apenas à arte, mas à realidade. Defende-se a ingenuidade enquanto forma de pureza, e por extensão, enquanto lema de vida. O debate poderia se desenvolver, mas a diretora retira do tema apenas sua capacidade de estranheza e humor. Assistir a dezenas de crianças saltando num pula-pula enquanto gritam “Tentativa de assassinato!” pode soar divertido à primeira vista, até o espectador perceber que esta cena não possui qualquer impacto na trama, e que os demais momentos semelhantes produzem certa anestesia do espectador. O filme nunca consegue evitar a sensação de vazio, como se risse de tudo para não discutir nada. Este seria o escapismo por excelência, embalado no pacote pós-moderno de letreiros engraçados, música divertida e aparência de leveza. O mais importante é entreter, despertar sorrisos, mesmo que sejam provavelmente esquecidos no segundo em que os letreiros ocupam a tela.
Caso se aventurasse pelo humor delirante de diretores como Park Chan-wook, Yi Ok-seop poderia encontrar uma forma à altura desta trama com déficit de atenção. No entanto, estamos distantes do preciosismo estético da nova safra coreana, que também inclui Bong Joon-ho, Kim Jee-woon e Na Hong-jin. Aqui, as imagens são menos experimentadas em sua linguagem do que enfeitadas na pós-produção, saturadas de frases engraçadas, de trilha sonora, de narrações despojadas sobre o estado do mundo. Sobra muito pouco, enquanto cinema e enquanto discurso humano, desta travessura muito menos radical do que pretende ser. O filme lembra estes adolescentes que acreditam ser subversivos ao fazerem pequenas provocações familiares cuja satisfação serve apenas a alimentar o ego do pequeno provocador.
Filme visto na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2019.
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