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Sinopse

Norte-americana insegura, Kristin herda o império mafioso de seu avô italiano. Ajudada por Bianca, a consigliere da organização criminosa, ela desafia as expectativas de todos com a sua postura inusitada enquanto chefe da família.

Crítica

Escrito, dirigido e produzido por mulheres, Mafia Mamma: De Repente Criminosa é aquele tipo de filme que busca se defender contra seus (possíveis e muitos) detratores alegando que esta seria uma história de empoderamento feminino e que, em relação aos seus (inúmeros) exageros, esses não seriam diferentes daqueles cometidos por realizadores do sexo oposto há anos. Ou seja, se eles fazem igual, e na maioria das vezes escapam ilesos, por qual razão elas não poderiam atingir tal efeito? Porém, para começo de conversa, é importante ter em mente que um erro não justifica outro. Se há realizadores apelando para escatologia e exageros em busca de um riso fácil e imediato – e, de fato, esses existem – é claro que as diretoras podem fazer o mesmo. Porém, com isso, deverão merecer as mesmas críticas. Não se deve “passar o pano” apenas por uma questão de gênero. Tais decisões seguem sendo equivocadas, independente de quem responde por elas.

Catherine Hardwicke estreou atrás das câmeras com um longa que fez um bom barulho (Aos Treze, 2003), mas nunca mais alcançou as expectativas levantadas. Nos anos seguintes explorou o universo dos skatistas, de vampiros, de lobos maus e até de Jesus Cristo, além de um longo inverno televisivo. Seu último trabalho a gerar algum interesse foi a comédia dramática Já Estou Com Saudades (2015), estrelada por Toni Collette. Pois é ela que surge como a personagem-título desse longa mais recente, em uma trama no melhor estilo “peixe-fora-d’água”: uma dona de casa norte-americana de classe média que, da noite para o dia, precisa se comportar como uma impiedosa chefona da máfia italiana. E como quem tem amigos, tem tudo, quem está por trás desse projeto é Amanda Sthers, aqui atuando como produtora e responsável pelo argumento. Ela esteve antes no comando de Madame (2017), também estrelado por... Collette! Essa mistura conta ainda com o envolvimento da dupla de roteiristas J. Michael Feldman e Debbie Jhoon, que já passou por vários seriados, mas só agora estreia na tela grande. E não desapontam: entregam exatamente o que se poderia esperar de quem nunca havia explorado esse tipo de possibilidades.

Pois então, se a ideia era reunir velhas amigas – Collette, Hardwicke, Sthers – em uma viagem pela Itália, aproveitar o turismo e a gastronomia, e ainda sair com uma obra debaixo do braço que pudesse justificar todo esse deslocamento, bem, o esforço acaba compensando em parte (aquela na qual devem ter se divertido, e não a que ganha exibição nos cinemas). A primeira cena já serve de indício para o constrangimento que virá a seguir: uma mulher caminha dentre homens estendidos pelo chão, todos mortos, e entre eles se vê apenas tomates amassados e pedaços de queijo. Ou seja, uma matança regada a muito molho com mozarela, como dita o estereótipo italiano. Quem desvia dos corpos inertes é Monica Bellucci, que há três décadas tem feito o mesmo tipo de personagem quando convocada por Hollywood – às vezes acerta, como em 007 Contra Spectre (2015), mas, na maioria das vezes, ganharia mais se tivesse ficado na sua Europa natal. É ela, enfim, que após um duelo entre duas famílias mafiosas, decide convocar a única remanescente de um dos chefões. Assim, Kristin (Collette) ganha um bilhete só de ida para o centro de uma briga que se estende por gerações.

Só que, ao contrário do que afirma o desnecessário subtítulo nacional – De Repente Criminosa – a protagonista não chega para abraçar o antigo estilo de vida do seu avô: pelo contrário, assim que toma ciência das “atividades familiares”, passa a agir para limpar o nome que carrega e transformar os negócios que herdou em ocupações legais (seu sonho é se tornar uma produtora de vinhos). Esse caminho não será nada simples, afinal, há pendências deixadas pelos antepassados que, agora, estão sob sua responsabilidade. Ter que lidar com bandidos vizinhos e ameaças constantes de colocar o próprio pescoço em risco, no entanto, são não mais do que desculpas que, caso tivessem sido melhor aproveitadas, poderiam reforçar sua presença – mas, pelo contrário, é mais com a sorte e menos com as habilidades de alguém recém-chegado com que ela terá que contar. Por exemplo, veja o primeiro encontro com o inimigo: em um jantar, ele se mostra um galanteador de aparência sedutora, tanto que não enfrentará resistência para levá-la a um quarto de hotel. Lá, coloca veneno na bebida dela. Porém, os copos acabam sendo trocados, e o assassino se torna vítima de si mesmo. Teria sido ela perspicaz o suficiente para escapar de uma armadilha evidente? Não, pois só permaneceu viva porque “não gostava de limão”, o sabor do licor que lhe havia sido servido.

Esses detalhes seriam justamente isso – pequenos, descartáveis, irrelevantes – não fossem seguidos por abusos, no mínimo embaraçosos, que vão desde testículos esmagados com saltos agulha, globos oculares sendo arrancados à força, vômitos inapropriados e outras excrescências similares. Se a ideia era fazer um “filme para toda a família”, pode-se dizer com tranquilidade que o tiro passou longe do alvo. Mas o pior são as inúmeras referências que faz com um clássico – a saga O Poderoso Chefão – sem nem ao menos delas conseguir se apropriar com vontade (pontuam aqui e ali, culminando em uma referência final de fazer virar os olhos), ignorando eventuais consequências. Enfim, Mafia Mamma: De Repente Criminosa não acerta no título, na comédia de ação, e muito menos em oferecer suas personagens como um exemplo, se não a ser seguido, ao menos de inspiração. Porém, é tudo por demais raso, quase na linha autoajuda que afirma a urgência de se “assumir o controle da própria vida”. Não havia, mesmo, potencial para ser minimamente relevante. Só não precisava ser tão vergonhoso. E quando nem mesmo Toni Collette consegue evitar um naufrágio de proporções catastróficas, é porque a coisa tá feia mesmo.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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