Crítica


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Sinopse

A trajetória do menino que teve uma infância pobre no interior do Pernambuco, mas que começou a ganhar destaque como líder sindical em São Paulo nos anos 1980, isso até se tornar presidente da república do Brasil.

Crítica

Todo filme começa muito antes de estrear no cinema. No caso de Lula: O Filho do Brasil, o processo foi ainda mais complicado. Um filme tradicional passa por fases que vão desde o conceito e o processo criativo até a pré-produção, captação, produção e chegando, mais adiante, nas filmagens. A diferença, aqui, é que bastou a produtora LC Barreto confirmar de forma oficial a aquisição dos direitos para a produção de um filme sobre Luis Inácio da Silva, também conhecido por Lula, o atual presidente do país, para que discussões dos mais variados gêneros tomassem forma antes mesmo de qualquer resultado em tela.

Apesar de tudo, não parece acertada a sensível irritação demonstrada pelos responsáveis do filme quando lhes são questionados os métodos de arrecadação envolvendo supostas empresas que mantêm contrato com o governo ou, ainda, quando é mencionada a cifra de 12 milhões de reais referente à realização do longa, um montante, diga-se de passagem, muito acima da média nacional. Sempre soou como óbvio que questionamentos de tal índole fossem surgir e há que saber rebatê-los com a devida serenidade, pois, até que se prove o contrário, tudo não deixa o campo da pura especulação. Outra ponta do debate é o conteúdo político de uma obra cinematográfica que tem estreia prevista para o primeiro dia do ano, coincidindo com a data instituída para que se dê a posse presidencial no país. Isso sem levar em consideração que o ano referido será marcado por eleições presidenciais e, de uma forma ou outra, a exposição colabora na divulgação - independente do tom positivo ou negativo - de um homem público. Por mais que se defendam - e a defesa é boa -, era impossível não prever que a família Barreto arrumaria com o que se incomodar, se incômodo para eles representar ter de responder às questões não diretamente ligadas ao conteúdo do filme. Seria de uma ingenuidade monstruosa imaginar que não surgissem críticas dos mais diversos ângulos e, entre elas, algumas especialmente maldosas. Não acredito, também, que as pessoas por trás da LC Barreto possam ser ingênuas.

O que vale salientar, à parte os comentários envolvendo a idoneidade na realização da obra, em Lula: O Filho do Brasil é o renascimento de uma filmografia que vinha em acentuada queda de qualidade após a realização de O Quatrilho (1995), indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 1997. Em suas produções posteriores, Bela Donna (1998), A Paixão de Jacobina (2002) e Nossa Senhora de Caravaggio (2006), o diretor Fábio Barreto não conseguiu fazer jus - longe disso, aliás - ao competente trabalho realizado com os dois casais de imigrantes italianos que afrontam as tradições. Antes de qualquer abordagem, parece que o mais correto seria não restringir a análise do último filme de Barreto às polêmicas levantadas e, sim, apesar delas. As discussões que circundam Lula: O Filho do Brasil parecem ter borrado parcialmente a vista da crítica em geral, quando, em realidade, merece, assim como toda obra cinematográfica, ser entendida primeira e principalmente como filme, como o trabalho artístico a que se propõe.

Do nascimento no berço miserável de Caetés, no interior do agreste pernambucano, até a ascensão ao cargo político do Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo, no início dos anos 80, acompanhamos a árida e batalhadora vida de Luis Inácio, filho de Dona Lindu, muito bem interpretada por Glória Pires, e de Aristides (Milhem Cortaz), um pai alcoólatra e violento que desestabilizou a família, obrigando a mãe a seguir com os filhos para fora de casa. Baseado no livro homônimo de Denise Paraná - co-autora do roteiro junto a Fernando Bonassi e Daniel Tendler -, o tom melodramático e de sopros épicos da narrativa não colabora de forma positiva para uma suposta desmistificação do personagem. Muito pelo contrário, Lula se acentua não só como representante dos seus, herói de fracos e oprimidos contra os demais, como se eleva, tal qual sugere o subtítulo, à gênese de todos os brasileiros.

O espectador que percorrer as duas horas de projeção no intuito de conhecer a vida do homem espelhada no personagem acabará por não se deparar com grandes novidades. A vida de Lula foi tão popularmente trabalhada durante as três vezes em que concorreu à presidência da República que a única novidade deve ficar por conta do seu relacionamento com Lurdes (Cleo Pires), sua primeira mulher.

Com o tempo restrito, a transição da infância em Pernambuco, passando pelo jovem com dificuldades em São Paulo até transformar-se no homem do mundo sindical, fica bastante comprometida por conta da picotagem excessivas das cenas. Não raro percebemos que o personagem está em evidente evolução dentro do enredo, mas o acúmulo de passado não necessariamente sinaliza que conseguiremos compreendê-lo como ser humano. Ficamos alheios, com exceção de uma ou outra passagem nesse sentido, às dúvidas de Luis Inácio. Os sentimentos que regem o homem que será ovacionado diante de um estádio lotado e, mais tarde, será alvo da ditadura nos chegam sem a energia esperada. Lula enfrenta todas as situações como quem viu os acontecimentos de longe e lhe foi permitido voltar com a certeza de um triunfo final. Porém, se é de profundidade que ressentimos, o mesmo não se pode alegar das aparições de Dona Lindu, sempre contundentes a ponto de preencher emocionalmente a trama e motivar uma série de situações.

Tecnicamente é o filme mais complexo e arrojado de Fábio Barreto. As variadas locações, a substituição gradual do protagonista interpretado por três atores e as cenas de conflito envolvendo uma quantidade considerável de figurantes ecoam mais na impressionante estrutura movimentada para a realização das filmagens que na qualidade de estilo agregada ao projeto. A fotografia dirigida por Gustavo Hadba, por exemplo, poderia ter trabalhado com filtros que resultassem na construção de diferentes épocas, acentuando a passagem dos anos, e não se resguardar apenas a uma única identidade visual. De qualquer forma, é pelo olhar atento de Hadba que o filme ganha algum refinamento estético, principalmente nas tomadas finais das cenas dramáticas, quando, por exemplo, Aristides é abandonado no porto de Santos e aparece desolado sobre um pequeno pedaço do cais com a imensidão do mar ao fundo ou, ainda, no trabalho de silhuetas da sequência em que Lula e o amigo voltam bêbados para casa.

Apesar do significativo ganho em qualidade em relação a seus projetos anteriores, Lula: O Filho do Brasil ainda não se compara a O Quatrilho. Mesmo que o personagem seja um presidente carismático e a bilheteria aponte o contrário.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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