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Sinopse

Muhammad é um homem palestino que passou 13 anos na Prisão de Guantánamo. Depois de anos de tortura, fome e humilhação, ele tem a oportunidade de começar uma nova vida com sua esposa no Uruguai.

Crítica

Não é mera coincidência que as imagens que ilustram o início e o desfecho de Liberdade é uma Grande Palavra dêem destaque a um mesmo objeto: um documento de identidade. Pois é justamente em torno da identidade – seja o resgate ou a possibilidade de construção de uma nova – que gira a história de seu protagonista, Muhammad, palestino que passou 13 anos na Prisão de Guantánamo. É já em liberdade que encontramos esse homem, sendo recebido no Uruguai do então presidente José Mujica que, em um gesto humanitário, decide conceder asilo a ele, bem como a outros cinco ex-detentos impedidos de retornar a seus países de origem por questões de segurança e temor de perseguição. A perspectiva sob a qual se inicia o longa é, portanto, esperançosa, pois, como informam trechos de áudios jornalísticos da época, os seis homens fariam parte de um programa no qual receberiam do governo local uma ajuda de custo mensal, moradia, cuidados médicos, auxílio na recolocação profissional e aulas de espanhol.

A realidade captada pelas câmeras do cineasta uruguaio Guillermo Rocamora, contudo, se mostra muito mais dura, trazendo o registro da jornada de cerca de dois anos de luta de Muhammad contra a burocracia, a discriminação e as diferenças culturais na busca pela adaptação e concretização da nova vida que lhe fora prometida. Uma busca que se intensifica e se torna mais dramática após seu casamento – com Aziza, uma muçulmana uruguaia – trazendo a responsabilidade para com uma nova família, já que a mulher está grávida da primeira filha do casal. Após realizar sua estreia em longas com a ficção Solo (2013), Rocamora migra para a esfera documental adotando uma posição de observador íntimo – a mesma na qual acaba se colocando o espectador. Ainda que o relato em off do protagonista sobre sua passagem por Guantánamo – do momento da captura às sessões de tortura e o cotidiano de maus tratos – pontue a narrativa, o diretor evita o tom expositivo e o formato convencional de depoimentos e cartelas informativas.

Seu foco é totalmente voltado ao registro do dia a dia de Muhammad, com a câmera sempre junto a este desde a primeira cena. A rotina se traduz em um movimento constante, com o protagonista se deslocando o tempo todo entre escritórios e repartições públicas para tirar seus documentos, receber seu cheque mensal, obter o direito a que o parto de Aziza seja realizado por uma médica mulher – como mandam as tradições muçulmanas – ou nas entrevistas de emprego. Ao longo dessa verdadeira peregrinação, Rocamora deixa transparecer o sentimento de deslocamento que domina Muhammad, seja pela barreira dos costumes, que o impedem de aceitar determinados empregos, seja pela barreira do idioma, que leva à incomunicabilidade – o imigrante ainda depende do auxílio da esposa para ser compreendido com seu espanhol e inglês rudimentares, enquanto ela, por sua vez, quase não fala o árabe.

Tal anseio pelo senso de pertencimento de Muhammad em um país estrangeiro surge como uma representação da busca essencial do próprio povo Palestino, da reivindicação territorial e reconhecimento como nação. Algo que o personagem encontra minimamente quando viaja até a fronteira entre Brasil e Uruguai, onde existe uma comunidade muçulmana numerosa. Sua angústia, porém, nunca é suprimida, pois ainda que distante das condições desumanas de Guantánamo, Muhammad se vê novamente preso de alguma forma pelo impasse diplomático e burocrático, que não permite a reconstrução de vida imaginada. Toda essa trajetória é concebida de modo cuidadoso por Rocamora, que demonstra pleno domínio narrativo e estético, perceptível na composição elaborada dos planos, que fogem ao simples esquema da câmera na mão.

O trabalho de montagem também é outra grande virtude de Liberdade é uma Grande Palavra, com escolhas que se mostram precisas, como nos momentos de respiro poético – as paisagens naturais vistas através das janelas do ônibus, as cenas de Muhammad pescando na praia – na repetição de imagens como a das engrenagens do elevador, acentuando a característica imutável da situação, ou ainda no modo impessoal como retrata as instituições, o estado – sempre omitindo os rostos dos funcionários do escritório diplomático para focar nas reações de Muhammad. A desesperança e o abatimento crescentes estampados na expressão do refugiado palestino sintetizam a subversão das expectativas esperançosas que se anunciavam, dando um tom bastante melancólico ao longa e mostrando que mesmo um conceito a principio tão claro quanto a liberdade pode se revelar extremamente complexo.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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Leonardo Ribeiro
8
Bruno Carmelo
8
MÉDIA
8

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