Crítica
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Sinopse
Obrigada a fazer uma viagem de navio, uma célebre autora de livros resolve levar consigo duas velhas amigas e seu sobrinho preferido. Além deles, no mesmo cruzeiro se encontra a nova agente dela, que está ansiosa para saber quando sai o próximo best-seller.
Crítica
Enquanto cinema, Let Them All Talk é uma experiência mais intrigante para aqueles envolvidos na produção – seja nos bastidores como também para o elenco em frente às câmeras – do que para o espectador. Afinal, trata-se de uma história até corriqueira, sobre um acerto de contas entre velhas amigas, todas já mais próximas do fim do que o início de suas jornadas, ao mesmo tempo em que abre espaço – uma concessão cada vez mais comum, principalmente em Hollywood – para uma dupla mais jovem, sobre a qual paira a eterna dúvida do “será que vão ou não ficar juntos”. Enfim, nada que já não tenha sido visto antes, em muitas – e melhores – vezes. Porém, o modo como tal conjunto se desenvolveu é por demais curioso. O suficiente, aliás, para justificar não apenas a sua audiência, mas também uma reflexão a respeito dos rumos que o projeto – e sua história – acabaram tomando.
As protagonistas são nada menos do que três senhoras, todas com mais de sete décadas de vida. Lembra o nacional Amigas de Sorte (2021), com Susana Vieira, Arlete Salles e Rosi Campos envolvidas em uma trama de amores e confusões. Mas se esse se contentava pela busca de um riso imediato e passageiro, Let Them All Talk mira mais alto. Ambos, entretanto, acabaram tendo o mesmo destino: o streaming. É certo que a pandemia do Covid-19 contribuiu para que o acesso aos cinemas se tornasse ainda mais rarefeito, mas ao mesmo tempo é de se questionar qual a capacidade de atração de público às salas teria um trio de septuagenárias, por mais que uma delas seja Meryl Streep, a mais premiada e reconhecida das atrizes de hoje. E ao seu lado não estão nomes irrelevantes: Dianne Wiest (vencedora de dois Oscars) e Candice Bergen (dona de 5 Emmys). Se a primeira e a última vivem tipos específicos – a diva difícil de se lidar e a assanhada em busca de um marido rico – a do meio é a que está mais solta e, justamente por isso, a que responde pelos melhores momentos.
As três se reúnem, após anos afastadas, quando Alice (Streep), uma consagrada escritora, precisa ir de Nova Iorque até a Inglaterra de navio (“você sabe, eu não voo”, justifica ela para a agente) para receber um prêmio, e decide levar consigo suas duas melhores amigas. Acontece que estavam há anos sem se falarem, e há um motivo para isso – por mais que a autora do convite o desconheça, ou prefira fingir que o mesmo não existe. Roberta (Bergen) acredita que a amiga teria usado elementos da sua vida para a trama do seu romance de maior sucesso, o que teria lhe causado inúmeros constrangimentos e prejuízos. Portanto, julga merecer uma compensação. Susan (Wiest), por sua vez, que trabalha com aconselhamento jurídico, quer apenas férias – e o fato de ter ou não essas velhas conhecidas por perto lhe soa quase irrelevante. Ao mesmo tempo, Alice escala o sobrinho Tyler (Lucas Hedges, se saindo bem diante das veteranas) para acompanhá-la. Por fim, Karen (Gemma Chan, de Podres de Ricos, 2018), a nova encarregada da conta na editora, decide embarcar junto, mesmo que às escondidas, para segui-la de perto.
Há objetivos específicos se desenrolando num primeiro plano. Roberta quer melhorar de vida – seja pela reaproximação com a amiga ou com uma nova paixão – enquanto que Alice, que nem imagina ser causadora de tamanho desconforto, está focada no seu próximo trabalho. Enquanto Karen tenta descobrir qual seria esse livro seguinte – se a continuação, ou não, do maior best seller da autora – sua aproximação junto à Tyler, à princípio interesseira, acaba por abalar os ânimos do rapaz, que sonha com um desenlace mais romântico, digamos. Nesse ínterim, quem parece não ter muito o que fazer é Susan, que surge como um suporte das demais personagens. A forma iluminada como reage a estes, pontuando com ironia e lucidez suas intervenções, no entanto, é suficiente não apenas para marcar sua presença, mas também para fazer dela o verdadeiro coração do enredo: é como se fosse aquela que, desprovida de um motivo, termina por servir de ligação a todos. Não por acaso, o fato de ser a que atinge o melhor dos desfechos evidentemente não tem nada de aleatório.
O sucesso de cada participação de Dianne Wiest diz diretamente sobre como Let Them All Talk foi feito. E certamente seu modo tão pouco ortodoxo só poderia ter sido fruto de uma mente tão inquieta quanto a de Steven Soderbergh. O cineasta afirma que mais de 70% dos diálogos do filme foram inteiramente improvisados pelos atores, que recebiam como orientação apenas linhas gerais que direcionassem o rumo de cada conversa, mas que essa deveria se dar da forma que cada intérprete acreditasse ser a melhor, contando, para isso, com sua criatividade e inspiração. Dito isso, é espantoso – e gratificante – ver atrizes consagradas como Streep, Wiest e Bergen com ânimo para tanto, mas também impressiona perceber como se mostram à altura de tamanho desafio. Se a primeira evoca ecos de O Diabo Veste Prada (2006) em sua composição, e a terceira convence pela sexualidade latente a despeito de qualquer etarismo, a do meio transita com segurança e tranquilidade por esses opostos, mostrando-se saudavelmente atenta e interessada, mesmo com décadas de profissão nas costas. Por esse testemunho, além das discussões propostas, as reflexões sobre fama e vida privada, e os embates entre amizade e respeito, tal esforço já se justifica. E que sigam falando, mais e melhor.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 7 |
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Alysson Oliveira | 7 |
Bruno Carmelo | 4 |
MÉDIA | 6 |
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