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Sinopse

Após os acontecimentos da década de 1960 por todo o mundo e com o aumento da conquista de direitos civis, políticos e também de uma maior participação na sociedade como um todo, surgiu nos Estados Unidos o jornal Gay Sunshine, uma publicação voltada para o público homossexual da época. Em 1978, no Brasil, uma iniciativa similar foi criada: o jornal O Lampião.

Crítica

Entre 1978 e 1981 uma revolução tomou conta do país. Porém, não estou falando do momento de abertura da ditadura militar, que na época começava a entrar em decadência, e sim do primeiro jornal gay do Brasil. Com muito bom humor, a publicação denunciava a homofobia e transfobia existente tanto na direita radical como na esquerda, que ainda não era aberta à luta das minorias como um todo. E é no mesmo estilo anárquico que a diretora Lívia Peres realiza o documentário que leva o nome do título, Lampião da Esquina, com entrevistas de boa parte de seus onze realizadores e outros nomes importantes da cena LGBT cultural do país, mostrando como o movimento foi importante para a batalha de igualdade enfrentada pelos mais diversos gêneros sexuais.

O longa traça um panorama do início ao fim do jornal, desde a primeira ideia surgida a partir de conversas com Winston Leyland (também depoente no documentário), editor do Gay Sunshine, publicação californiana pioneira no mundo, até as brigas internas e externas que levaram ao fim da jornada de tiragens mensais. Lívia não faz um documentário apenas com intenção de homenagear e mostrar a importância do Lampião para o Brasil como também aponta que, mesmo dentro da cultura guei, há divergências quanto a qual tipo de luta se deve buscar em busca de direitos igualitários.

As entrevistas com nomes como Aguinaldo Silva, Ney Matogrosso, João Silvério Trevisan, Luiz Carlos Lacerda (o Bigode), Glauco Mattoso, Celso Curi, Antônio Carlos Moreira, Laerte, Peter Fry, João Carlos Rodrigues, Dolores Rodrigues e Leci Brandão contam casos interessantes do jornal, como a insistência inicial para que as bancas aceitassem vendê-lo (o que logo virou um boom devido ao sucesso, ainda que no círculo dos "nanicos", como era chamada a mídia impressa alternativa), as reuniões que aconteciam em São Paulo e no Rio de Janeiro, já que os colaboradores se concentravam nestas cidades, até fatos engraçados, como as cartas inventadas pela própria equipe para xingar o jornal.

Utilizando uma montagem linear com os depoimentos intercalados, o documentário se torna ainda mais prazeroso de assistir por utilizar a própria arte do Lampião como o que era, um pênis com chapéu típico do nome, além de diversas fotos, imagens e vídeos da época e também uma trilha sonora com clássicos da MPB, explícitos ou metafóricos, sobre a vida homossexual. A impressão que se tem é que o vasto material poderia até render uma série de filmes, já que não faltam contos como as frequentes idas de Freddie Mercury ao Galeria Alaska, principal point gay do Rio de Janeiro, a presença das Dzi Croquetes nas festas patrocinadas pelo Lampião, a polêmica da Coluna do Meio de Celso Curi na Folha de São Paulo, que levou o jornalista a ser processado, a rixa com a homofobia do Pasquim, que inclusive publicou uma tira de gosto bem duvidoso sobre a morte do cineasta Pier Paolo Pasolini, entre outros tantos relatos de seus colaboradores.

Além de todas estas curiosidades que servem para ilustrar como funcionava o meio guei do período, Lívia também se concentra no que levou ao fim da publicação de maneira tão precoce. As divergências sobre como isso ocorreu estão nas próprias falas contraditórias de Aguinaldo, Trevisan e tantos outros. Ainda assim, todos parecem concordar que o Lampião terminou no momento certo de ter cumprido seu papel questionador e ter começado a levar os termos homossexual e derivados para os brasileiros de uma maneira não pejorativa. Segundo os editores, hoje a impressa LGBT parece querer mostrar a ânsia por uma vida heteronormativa. Se isso é verdade ou não, vale discutir. Mas como o próprio Aguinaldo Silva afirma "o Lampião não deu filhotes, talvez por ser homossexual". Realmente, uma pena.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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