Crítica


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Sinopse

O fotógrafo Estevan Oriol e o artista Mister Cartoon transformaram suas raízes chicanas em arte arrojada, impactando fortemente a cultura de rua, o hip hop e além.

Crítica

O principal estranhamento diante do documentário da Netflix se encontra no fato de ser um filme sobre Estevan Oriol dirigido por Estevan Oriol. O cineasta se coloca em cena, mostra fotos da infância e afirma: “Sou um bom fotógrafo, sou um bom profissional”. Além disso, entrevista dezenas de celebridades dispostas a repetir que Oriol é um dos maiores fotógrafos dos Estados Unidos, que ele definiu a cultura do hip hop em Los Angeles, que efetuou as melhores capturas de shows, que fotografou tatuagens como mais ninguém. Em outras palavras, Oriol dirige um projeto em sua própria homenagem, no momento em que enfrenta uma crise financeira e possui várias contas atrasadas, como ele mesmo revela. Por este aspecto, o filme nunca deixa de parecer um exercício de vaidade e um veículo de sustentação do diretor para a sua própria marca. Ele tenta se reerguer ao construir uma ode a si próprio, relembrando os momentos mais marcantes de sua trajetória.

Felizmente, Oriol não constitui o único tema do filme de Oriol. Quando decide se concentrar no trabalho do amigo e parceiro Mr. Cartoon, o projeto melhora. Devido à proximidade com o biografado, o cineasta extrai conversas descontraídas, sem preocupação do tatuador em enaltecer o seu passado. O volume de material de arquivo é impressionante: LA Originals (2020) certamente conta com centenas de horas de vídeos caseiros, gravações de shows, fotografias profissionais e amadoras, depoimentos antigos e recentes. O filme busca se legitimar pela presença das grandes estrelas em cena (Beyoncé, Eminem, Snoop Dogg, Justin Timberlake, Eva Longoria), dispostas a elogiar o trabalho da dupla enquanto exibem suas próprias tatuagens, clipes e fotografias elaborados por ambos. Mesmo que a troca de congratulações soe redutora enquanto olhar crítico, ela serve a construir um panorama amplo a respeito dos nomes mais importantes da cultura marginal norte-americana, em paralelo com os símbolos valorizados por uma geração.

Talvez o resultado seja um pouco confuso no tratamento de informações (fica difícil compreender as mudanças de endereço e as temporalidades), mas ele funciona muito bem enquanto ambientação, com suas cores, ritmos, slogans, texturas. O aspecto mais rico deste projeto se encontra no olhar interno ao movimento: trata-se claramente de uma imersão na cultura das ruas, do hip hop e das drogas vista por quem participou de sua criação, incluindo cenas brutas de pessoas drogadas, exibindo suas marcas de balas pelo corpo ou suas passagens pelas ruas, entre os mendigos. Oriol tem a capacidade de olhar para dezenas de presidiários e ex-presidiários de origem mexicana sem qualquer julgamento moral, enxergando a formação de uma arte gangsta intricada, popular e lucrativa. No terço final, quando o filme busca o impacto desta cultura em outros países e a apropriação da marginalidade pelas classes privilegiadas, o discurso aprofunda seu olhar político, mirando inclusive nas políticas difamatórias e excludentes de Donald Trump. O documentário proporciona um acesso privilegiado a informações ao vivo, do centro do movimento cultural.

Para adentrar este universo, o espectador precisa se acostumar a um fluxo vertiginoso de imagens. A montagem, amante da saturação, dificilmente deixa que alguma imagem permaneça por mais de um segundo diante dos nossos olhos antes de ser substituída pela próxima. O efeito de flashes remete a um álbum infinito de fotografias cujas páginas são viradas sem parar: a sucessão torna-se objeto de estudo em si mesma, ao invés dos materiais individuais. A escolha se revela curiosa para um filme dirigido por um fotógrafo e sobre fotografia, visto que mal resta espaço para contemplar as obras. Oriol prefere provocar sensações de urgência, de transformação contínua e de impermanência, o que talvez seja uma forma adequada de discorrer sobre estas pessoas entorpecidas, vivendo de modo extremo, e sendo obrigadas a mudar (de profissão, de casa, de relacionamentos) constantemente. Por um lado, o registro resulta próximo demais da fragmentação do videoclipe, por outro lado, ele serve a suspender cronologia dos documentários explicativos. Pouco importa qual show veio antes ou depois, ou qual tatuagem veio primeiro. A montagem se constrói através de movimentos, ou ondas, associando-se por afinidade ao invés de cronologia.

O efeito da sobrecarga de estímulos serve a demarcar LA Originals de outros projetos de tema semelhante. O valor deste agenciamento de imagens passa a ser retórico: ele não se fortalece pela beleza de cada cena nem pelas informações transmitidas – há poucas surpresas ou revelações ao longo da trama – e sim pelo aspecto da nostalgia de Oriol e Mr. Cartoon em relação a um período de intensa criação artística, amizade e também conforto financeiro. Talvez o filme corra o risco de fornecer imagens equivalentes e intercambiáveis (faria pouca diferença se algumas sequências fossem jogadas para antes ou depois na trama, ou ainda se fossem retiradas), beirando a aleatoriedade. O excesso termina por constituir uma estética por si próprio: Oriol dificilmente pretende que seu espectador assimile todos os momentos retratados. O diretor privilegia o retrato caleidoscópico de uma geração, e na ternura evidente por este meio perigoso e inconsequente, oferece uma bela homenagem à sua juventude. Por fim, a preocupação com a estética e com o discurso em detrimento de datas e dados eleva o resultado acima de projetos convencionais de cunho histórico.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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