Crítica
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Sinopse
Durante sua infância difícil, Kobra sequer imaginava que se tornaria um dos mais famosos muralistas do mundo.
Crítica
Eduardo Kobra é, atualmente, um dos artistas brasileiros de maior projeção no exterior. Com menos de 50 anos, possui obras espalhadas pelos Estados Unidos, França, Inglaterra, Rússia, Grécia, Itália, Suécia e Polônia, entre outros. Isso, é claro, sem falar do Brasil, onde é possível se deparar com seu trabalho em diversas cidades do norte a sul do país. Essa fama se deu, principalmente, por ser ele, essencialmente, um muralista, adepto da street art. Ou seja, sua arte não está encarcerada em museus ou galerias, mas nas ruas, prédios e construções, a grande maioria com fácil acesso à população em geral. Esse olhar cultuado, ao mesmo tempo em que oriundo da periferia, é resgatado pela cineasta Lina Chamie em Kobra Auto Retrato, no qual parte do básico – o próprio Kobra – para desvendar as origens, provações e sonhos deste homem que a tantos encanta, mas, sobre o qual, pouco se sabe – ou sabia, ao menos até agora. O resultado, pertinente ao que é investido, não deixa de ter um caráter enciclopédico, ainda que alinhado a um olhar bastante pessoal.
Nascido nas redondezas de São Paulo, Kobra ganhou esse apelido ainda criança, quando seus colegas de escola descobriram que o menino era bom no desenho: “esse aí é ‘cobra’ no que faz”, diziam sobre ele. Gostou tanto que adotou a alcunha para si, e é assim que assina cada nova criação, com um K inicial para fazer diferença. Algumas das suas maiores características, como o uso das cores e o perfil retratista, são explorados rapidamente no começo dessa longa entrevista. São mais comentários do que reflexões elaboradas, que, em resumo, apontam aquilo que todos os que se dedicam a estudá-lo percebem de imediato. Não há, portanto, grandes revelações a respeito da técnica empregada, do que o instiga enquanto criador e o que guia seu traço. Assim como o título desse longa aponta, está em debate aqui o responsável por estes painéis, e não tanto o fruto dos seus esforços. Por mais que a narrativa seja ricamente ilustrada, não há um direcionamento em catalogar estes murais, nenhum resumo geográfico e nem mesmo a dimensão do seu alcance. Fala-se, enfim, do homem, e não tanto do que ele é capaz de gerar.
Chamie, também diretora de ficção, tem cada vez mais se dedicado ao cinema documental. Seus filmes mais recentes, por exemplo, foram Santos de todos os gols (2019) e São Silvestre (2013), ambos esportivos, um sobre futebol, o outro abordando a mais tradicional maratona do país. Entre os dois, no entanto, realizou para a televisão Dorina: Olhar para o Mundo (2016), sobre a vida e a obra de Dorina Nowill, pioneira no trabalho de inclusão social e melhoria na qualidade de vida dos cegos no Brasil. É esse caráter biográfico que assume mais uma vez em Kobra Auto Retrato, porém, ao invés de dar voz a muitos, ocupa-se apenas e exclusivamente do homenageado. O garoto que nunca foi um bom estudante – seus cadernos, ao invés de trazer as anotações do que era dado em aula, estavam tomados por desenhos da primeira à última página – e foi dado como caso perdido pelos próprios pais ainda na adolescência, quando convidado a ir morar sozinho pois estes não mais o aguentavam por perto, hoje recebe chamados para exibir sua arte onde essa, sob qualquer maneira, nem mesmo ousava se aproximar. Contra todas as expectativas, portanto, fez não apenas o seu nome, mas a revolução do que dele se esperava.
Ainda que o formato assumido seja convencional – trata-se de uma longa conversa entre Chamie e Kobra (há até algumas rápidas cenas de bastidores desse encontro inseridas na montagem final) – o que prevalece, portanto, é um aspecto de cabeças falantes, mas não no plural, e, sim, no singular. Apenas ouve-se Kobra, o que tem a dizer sobre si e como avalia o caminho percorrido até estar onde hoje se encontra. Ele chega a comentar, por exemplo, que se sente mais à vontade desenhando por grandes dimensões – paredes, muros, edifícios – do que em painéis limitados, sejam esses telas ou quadros reproduzíveis. Haveria aqui, como se pode denotar, uma abertura para discutir a comercialização e transporte do que produz, o quanto o que faz pode ser transitório – basta o dono do imóvel decidir pintar por cima do que foi feito que a obra irá se perder – e como sua imensa popularidade conseguiu, de uma forma ou de outra, suplantar essas barreiras. São questões que mereciam ser exploradas com maior profundidade, mas passam quase que em branco pela narrativa, não ocupando mais do que um ou outro comentário passageiro. As escolhas são pessoais, como que alheias à uma pauta pertinente à repercussão provocada por seu talento.
“Não me sinto bem falando de mim, não saberia como me portar se optassem por me retratar, e menos ainda teria como desenhar a mim mesmo”, declara o homem que leva sua vida criando imensas ilustrações, muitas delas tendo como ponto de partida retratos de famosos e anônimos. Esse viés, ainda que citado, acaba passando batido entre tanto o que exibir, explorar, colorir ou imaginar. Kobra Auto Retrato faz jus, ao menos, em prestar o devido reconhecimento a alguém que segue lidando com seus traumas – a carência familiar, as longas noites de insônia, o material tóxico que usa no trabalho e que aos poucos vai tomando conta de sua saúde – mas está longe de ser o longa definitivo sobre o artista. Aos que pouco sabiam a seu respeito, se mostra válido como um primeiro contato, abrindo mais portas do que preocupado em encerrá-las através de uma investigação elaborada. É bonito, rico em denunciar uma criatividade rara, mas carente de um maior detalhamento, em explorar contradições e sugerir o alto preço a ser pago pelo grande dom recebido. Eis um começo. E, com ele, a certeza que há mais a se percorrer.
Filme visto durante a 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 5 |
Alysson Oliveira | 6 |
Lucas Salgado | 7 |
Alex Gonçalves | 6 |
Miguel Barbieri | 10 |
Celso Sabadin | 7 |
MÉDIA | 6.8 |
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