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Sinopse

Talentosa com cosméticos, Kika é chamada para maquiar o corpo de um cadáver. Porém, o sujeito está vivo e acaba inserindo a jovem numa trama que envolve o assassinato de uma mulher e uma repórter extravagante.

Crítica

A tendência ao absurdo sempre foi uma das principais características do humor no cinema de Pedro Almodóvar. Uma particularidade que em Kika talvez atinja seu auge dentro do universo do cineasta espanhol. O longa acompanha a personagem-título, vivida por Verónica Forqué, uma simpática e otimista maquiadora que se envolve com o renomado fotógrafo de moda Ramón (Àlex Casanovas), mesmo já tendo vivido um caso anterior com o escritor Nicholas (Peter Coyote), padrasto do atual namorado. Quando Nicholas retorna à Espanha, algum tempo depois do suicídio de sua esposa, ele se hospeda no estúdio do andar de cima ao apartamento em que vivem Ramón e Kika, passando a manter encontros sexuais casuais com a bela protagonista.

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O triângulo amoroso é apenas uma das pontas da bizarra e rocambolesca trama, que ainda reserva espaço para um serial killer, um ex-ator pornô/maníaco sexual fugitivo da polícia e para uma exótica repórter, Andrea Caracortada (Victoria Abril), que apresenta uma mistura de reality show com programa policial sensacionalista. Desde a cena em que Kika narra seu primeiro encontro com Ramón, quando é contratada para maquiá-lo antes de ele ser enterrado – acreditava-se que o rapaz estava morto, mas na realidade se tratava de um caso de catalepsia – Almodóvar deixa claro o tom farsesco de sua história. É na sátira escrachada que o cineasta aposta, direcionando seu foco para a glamourização da violência.

A crítica comportamental e social vem na forma da metalinguagem, através do programa de Caracortada, que já foi psicóloga e namorada de Ramón. Com sua cicatriz no rosto e figurinos extravagantes, criados pelo estilista Jean-Paul Gaultier, a personagem mais parece uma versão investigativa da clássica personagem Elvira, que apresentava programas de terror na TV norte-americana. A exploração da violência como espetáculo, com Caracortada no cenário de um teatro sem plateia, busca discutir sobre a banalização da mesma. Os limites éticos do jornalismo são outro tema satirizado, com a repórter registrando ao vivo assassinatos e outras tragédias, sempre vestindo uma indumentária que mistura fardamento militar a um design tecnológico que remete a algo como o visual do Robocop, porém tendo a câmera como arma.

Quando se atém a esta faceta de seu filme, Almodóvar consegue o resultado pretendido, incluindo o fator cômico, como a piada recorrente com a marca de leite patrocinadora do programa de Caracortada. Já quando parte para o desenvolvimento dos dramas particulares dos personagens, o cineasta não atinge o mesmo efeito. O tom caricatural exagerado faz com que todas as figuras resultem unidimensionais. As motivações, as paixões, aflições e todos os outros sentimentos dos personagens soam falsos e não permitem um envolvimento mais profundo do espectador. O elenco trabalha com empenho dentro desta limitação, desde os nomes recorrentes na filmografia do diretor, como as ótimas Abril e Rossy de Palma – que interpreta a empregada lésbica de Kika e irmã do ator pornô/maníaco – passando pela protagonista Forqué e por Peter Coyote, primeiro ator americano a trabalhar com Almodóvar.

O domínio técnico evidente do cineasta está presente, com planos bem elaborados e composições estilizadas marcadas pelas preferências visuais habituais do autor, como as cores quentes e vibrantes. Outras características do cinema de Almodóvar também retornam, como a sexualidade latente, presente desde a cena do ensaio fotográfico - numa clara alusão a Blow-Up: Depois Daquele Beijo (1966), de Antonioni – e em todos os elementos voyeurísticos, com referências a Janela Indiscreta (1954) e A Tortura do Medo (1960), cujo pôster é visto na parede do quarto. O papel das mulheres volta a ser mais destacado, dominando a narrativa, enquanto os homens são reduzidos à apatia de Ramón, ao desejo sexual primitivo de Paul, o ex-ator pornô, e à misoginia de Nicholas.

KIKA HISZPANIA 1994

O humor que beira o limite da histeria também pesa no filme. A piada com o estupro, por exemplo, não só vai um pouco além do politicamente incorreto, mas, principalmente, ultrapassa o timing cômico. Já a reviravolta para o suspense que domina o terceiro ato não traz grandes surpresas. Assim, o filme de Almodóvar termina como um reflexo de Kika, a maquiadora que sabe como se valer do poder estético, mas que se perde na busca do rumo para uma viagem sem compromissos e, na maior parte do trajeto, superficial.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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