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Sinopse

Jorge Eduardo Guinle ficou conhecido, ao longo de sua vida, como um dos maiores playboys cariocas. Gozando do patrimônio da família abastada, circulou entre os melhores bares e boates da cidade, criando uma gama de contatos que o consagraram como o primeiro "promoter" do país.

Crítica

Bem antes da era atual da superexposição nas mídias sociais, o mundo da alta sociedade e das celebridades já exercia, sobre muitos, uma espécie de fascínio fantasioso, como a representação de um universo idealizado, inalcançável, descolado da realidade. É nesse imaginário que o jornalista e cineasta Otávio Escobar mergulha com Jorginho Guinle: Só Se Vive Uma Vez, apresentando uma visão romântica do mesmo através da figura do carioca Jorge Eduardo Guinle, conhecido como o maior playboy brasileiro – título que ostentava sem falsa modéstia. Orgulhando-se em afirmar que nunca havia trabalhado durante toda a vida, Jorginho foi herdeiro de uma família cuja fortuna teve origem na passagem entre os séculos XIX e XX, com a construção de ferrovias e a concessão do controle do Porto de Santos, tendo seus negócios expandidos, posteriormente, para outras esferas, como o Banco Boavista e o Copacabana Palace.

É com a história do hotel, símbolo do glamour carioca, especialmente entre as décadas de 1920 e 1960 – quando a cidade ainda era a capital federal – que se confunde a trajetória do próprio Jorginho. Pois foi no local, organizando festas nababescas, com a presença de estrelas internacionais que lá se hospedavam, quase que obrigatoriamente, quando vinham ao Brasil, que Jorginho fez seu nome, chegando, durante o governo do presidente Getúlio Vargas – com quem os Guinle mantinham uma relação muito próxima – a ser convidado para exercer o cargo de “embaixador informal” brasileiro nos Estados Unidos, conseguindo também trânsito livre pelos estúdios de cinema hollywoodianos como “representante para assuntos sul-americanos”, a pedido do milionário, e amigo, Nelson Rockefeller. Facilitando, assim, sua missão de trazer ao Rio de Janeiro algumas das maiores atrizes da época.

Seguindo basicamente uma linha cronológica – da infância à morte de Jorginho, em 2004, aos 88 anos – Escobar mescla a estrutura documental tradicional, o registro de entrevistas com amigos, familiares – os filhos e a última ex-esposa – e com o historiador Clóvis Bulcão, autor de um livro sobre a família Guinle, a passagens dramatizadas, que trazem o ator Saulo Segreto, também narrador do longa, interpretando o biografado, além de nomes como Guilhermina Guinle – sobrinha-neta de Jorginho – no papel da avó, e Letícia Spiller, como a governanta alemã. A artificialidade dessa parcela ficcional, bastante frágil em seu aspecto dramático, com caracterizações extremamente caricaturais, ainda que possa ser justificada como intencional na tentativa de evocar algo lúdico – afinal, logo na sequência inicial vemos Jorginho chegando ao céu em uma limusine branca que corta as nuvens – sintetiza a contradição presente no retrato apresentado pelo diretor.

Pois, ainda que todos os entrevistados façam questão de afirmar que Jorginho era mais do que apenas um personagem – o playboy galanteador – Escobar acaba justamente por reafirmá-lo como tal ao colocar um ator para interpretá-lo, não dando voz ao próprio, exceção feita a um breve excerto de uma entrevista que surge durante os créditos finais, na qual Jorginho diz jocosamente que “O trabalho é o castigo de Deus”, apenas reforçando a persona que construiu e à qual se agarrou, em particular nos últimos anos de vida, quando enfrentou a falência financeira. Assim, o lado “mais humano” do protagonista termina, efetivamente, pouco explorado – como na breve passagem que aborda a relação com seu primogênito, Jorge Eduardo Guinle Filho, um artista plástico que viria a falecer de AIDS, em 1986 – contribuindo ainda para que a tentativa de imprimir uma aura trágica, ao tratar dos esforços de Jorginho para manter seu estilo de vida em meia à derrocada, soe forçada.

Entre o fato e a lenda, Jorginho Guinle: Só Se Vive Uma Vez se atém mesmo à lenda, preferindo amplificar o mito em torno de sua figura central. Os contextos culturais, políticos e históricos – a era Vargas, o episódio da Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, a mudança da capital para Brasília etc. – surgem como adendos à faceta de coluna social, vide toda a atenção dedicada às supostas conquistas amorosas de Jorginho, entre elas Kim Novak, Rita Hayworth e Marilyn Monroe. Há, sim, certo charme no saudosismo que permeia a narração de tais eventos, embalados por uma trilha sonora jazzística – uma paixão de Jorginho que não ganha tanto destaque quanto poderia – remetendo aos musicais da Hollywood clássica (incluindo dois números interpretados por Daniel Boaventura e Kenya Costta), porém, a sensação que prevalece é a de um longa que se contenta com o entretenimento efêmero ao invés de investir no estudo de personagem mais substancial. Um produto superficial, tal qual boa parte do que envolve o chamado jornalismo de celebridades.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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