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Sinopse

Melhores amigas desde a infância, Karen e Martha fundaram uma escola para garotas. Em meio a desavença com uma aluna, as professoras/diretoras são apontadas como namoradas. Isso coloca a carreira de ambas em risco.

Crítica

Ainda que esta seja a versão mais celebrada da obra teatral de Lillian Hellman, não é a primeira. Aliás, não se tratava de uma trabalho inédito nem para o cineasta William Wyler, que havia dirigido o Infâmia original em 1936 – e com roteiro da própria autora. No entanto, após ganhar o seu terceiro Oscar – dessa vez, pelo épico Ben-Hur (1959) – o realizador se viu meio que à deriva. Afinal, o que fazer após ter entregue um dos maiores filmes de todos os tempos (ao menos na época em que foi feito)? No alto do status recém conquistado, se deu ao luxo de revisitar um dos seus próprios trabalhos, adaptando-o para novos – e talvez até mais conturbados – tempos. Eis que convocou uma das suas atrizes favoritas – Audrey Hepburn, que ganhou o seu Oscar sob o comando dele em A Princesa e o Plebeu (1953) – e assim nasceu esse segundo Infâmia, um filme que é repleto de boas intenções, mas que, quase seis décadas após o seu lançamento, deixa uma sensação quase impossível de ser ignorada que denota como o passar dos anos não lhe fez bem.

Dotado de uma estrutura assumidamente teatral, da qual não faz esforço nenhum em disfarçar – há pouquíssimas cenas externas, sendo que a ação se passa na sua grande parte nos interiores de uma ou outra casa, contando com não mais do que seis ou sete atores ao todo – The Children’s Hour (o anterior se chamava, no original, These Three) acompanha a rotina de duas professoras que coordenam uma escola para meninas que funciona no regime de internato. Karen (Hepburn, contida, longe da alegria contagiante de marcou a maioria dos seus trabalhos, porém revelando uma densidade dramática que merecia ter sido mais explorada) e Martha (Shirley MacLaine, mais à vontade no registro, sem medo de tangenciar o exagero cênico, o que na maioria das vezes faz com precisão) são melhores amigas desde o tempo da faculdade. A duas coordenam esse colégio de moças, com a ajuda da tia da segunda, a senhora Mortar (Miriam Hopkins, que havia feito o papel de Martha no Infâmia anterior). Porém cada uma tem um problema com o qual lidar.

Karen precisa se decidir quanto ao eterno noivado com o doutor Cardin (James Garner, imponente e galanteador). Martha tem sentimentos controversos – torce pela felicidade da amiga, mas teme pelo futuro da sociedade. Já a velha senhora sonha em abandonar o anonimato e voltar aos palcos da Broadway, recuperando um estrelato que desfrutou na juventude. Entre elas estão as alunas, todas muito ordeiras durante as aulas, mas capazes de travessuras e outras ações mais perigosas, por assim dizer, como espiar por trás das portas, inventar boatos e espalhar fofocas. Exatamente o que acontece quando a pequena Mary (Karen Balkin, a pior do elenco) decide inventar uma história para a avó (Fay Bainter, indicada ao Oscar pelo papel) a respeito de um envolvimento próximo demais, digamos, entre as duas professoras. A suspeita a respeito da natureza da relação das duas nunca chega a ser dito, apenas sussurrado nos ouvidos.

Os motivos da criança são claros: mentirosa convicta, via os castigos que recebia como perseguição, e o que queria era vingança, nada mais. A senhora, que compra o que lhe é dito sem muitos questionamentos, e trata de espalhar o relato da neta como verdade para toda a cidade, é a verdadeira culpada, pois não demonstra hesitação em abraçar uma falsa notícia – ou fake news, para usar um termo tão em voga atualmente. As vidas das professoras são destruídas, por mais que o noivo insista em permanecer ao lado de Kate. Mas quem sofre mais é Martha. Não só pelo que se boato que as escolhe como alvo – o filme deixa claro que não há envolvimento físico ou mesmo romântico entre elas – mas, principalmente, por tudo que sente em segredo. Pois é justamente o que se passa no seu interior o verdadeiro motivo de seu sofrimento.

Talvez seja justamente a suposta fidelidade perseguida pelo roteirista John Michael Hayes (indicado ao Oscar por Janela Indiscreta, 1954) em relação à peça, ou o momento político e social no qual o filme foi feito, a razão do seu problemático envelhecimento. Pois não se pode mais aceitar histórias nas quais a personagem homossexual seja não apenas vilanizada, mas também destinada ao pior dos desfechos. Muitos anos depois, MacLaine declarou ter se arrependido de ter aceitado o roteiro que lhe foi imposto, culpando-se por não ter lutado por cenas mais íntimas entre as protagonistas. Por outro lado, na biografia de Hepburn fica claro o temor da atriz ao aceitar o projeto – só o fez por insistência do diretor, seu amigo pessoal e com quem se sentia em dívida pela bem-sucedida parceria prévia – e os diversos empecilhos que teria colocado no projeto, visando amenizar o caráter sexual do retrato proposto, restringindo ao máximo o debate ao campo teórico. Enfim, o que sobra é um Infâmia desatualizado e, por vezes, equivocado, por mais que se esforce em promover um debate não apenas urgente, mas necessário.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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