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Sinopse

É uma noite especial para a família Buoitton. Charles e Linda, casal extremamente rico, convidam, seus amigos e familiares mais próximos para jantar. Antes, no entanto, Charles levanta o copo para brindar e... cai morto. Linda confessa que o envenenou e também a todos na sala para conseguir a herança do patriarca.

Crítica

Esta comédia revela orgulhosamente a inspiração em tramas sobre assassinatos misteriosos em estilo Agatha Christie. Quando o bilionário Charles (Edward Asner) organiza uma festa para toda a família, as luzes se apagam e o homem idoso é empurrado do alto das escadas. Quem matou? Esta seria uma incógnita suficiente para movimentar a narrativa (vide o astuto Entre Facas e Segredos, 2019, que partia de uma premissa semelhante). Entretanto Leonardo Foti, diretor e ator pouco experiente, decide ir além. Charles sobrevive e prepara um jogo perverso aos gananciosos familiares. Envenenamentos, revólveres apontados e mortes suspeitas se sucedem ao longo de cerca de 90 minutos, durante os quais as figuras excêntricas devem decidir quem vai morrer para que os outros garantam a quantidade exata de antídotos para combater o veneno do vinho. Parece confuso? As reviravoltas não respeitam uma lógica muito precisa, e nem pretendem fazê-lo. Sob pretexto de estar realizando uma comédia, o cineasta permite que os mais diversos absurdos tomem a cena. As luzes se apagam, e quando se acendem de novo, alguma surpresa aconteceu. E depois outra, e então, mais uma.

A estrutura se assemelha a alguma peça de teatro de boulevard, do tipo passado em cenário único, e povoada por caricaturas destinadas a ridicularizar algum segmento social específico. Para efeito de comparação, talvez os brasileiros possam encontrar uma comparação possível com a estrutura de Sai de Baixo, ou Trair e Coçar É Só Começar. Os personagens são patrões ou empregados – talvez com o diferencial de termos uma dúzia de patrões, todos semelhantes entre si, enquanto o empregado se revela igualmente malicioso. O sucesso da empreitada poderia derivar da variação entre os personagens se digladiando. Alguns poderiam ser mais cínicos, os outros, mais ingênuos; alguns pareceriam fortes até se mostrarem frágeis, enquanto os frágeis se revelariam espertos afinal. O jogo de opostos costuma constituir a base deste jogo, no entanto, em In Vino (2019), não há variações. Os familiares são igualmente detestáveis do início ao fim, e nenhum deles evolui enquanto personagem. As revelações sobre traições e roubo de dinheiro são tão previsíveis que se revelam anticlimáticas: é claro que todos estavam tentando sabotar os demais. A surpresa seria descobri-los honestos.

A ausência de relevo entre esses personagens surpreende pela ingenuidade ao ferir as convenções mais simples dos manuais de roteiro cinematográfico. O diretor também demonstra notável dificuldade em trabalhar o tom cômico dentro do suspense. As situações soam bastante patéticas por si próprias – o bilionário fazendo uma massagem nos pés do mordomo, a dúvida sobre quem teria empurrado o homem, sabendo que apenas uma pessoa além da vítima se encontrava naquele andar. Por isso, seria comum pedir aos atores para que atuassem seriamente, deixando que o texto se encarregasse dos absurdos. Ora, o protagonismo é dividido por uma dúzia de atores fracos fazendo caras e bocas, dando chiliques e fingindo mistério com o canto dos olhos. Eles atuam como se estivessem numa comédia pastelão, algo que não favorece em nada a tentativa de construir tensão. Os atores mais jovens, em especial, são sofríveis: Marina Benedict, Chris Ashworth e Jill Michele-Melean partem de personagens bastante simples, e nem assim conseguem fornecer qualquer tipo de variação às figuras que interpretam. Edward Asner e Sean Young são experientes, ainda que estejam incontrolados em cena, criando risos histéricos e cacoetes que qualquer diretor com um pouco mais de pulso teria controlado.

In Vino também é prejudicado pela aspiração a ser malicioso, e mais esperto que seu espectador. Uma dezena de pequenas reviravoltas e segredos busca deixar o público boquiaberto ao final deste banquete. No entanto, a tentativa de surpreender a todo preço é freada algumas barreiras fundamentais: primeiro, a inverossimilhança das revelações ou a falta de impacto das mesmas dentro da trama (uma mulher dormiu com Hitler, o outro revela ser gay); segundo, a ausência de empatia para que o espectador se importe com qualquer um destes personagens (alguém está prestes a morrer, mas quando todos são equivalentes, que diferença esta escolha faria?); e terceiro, a fragilidade do texto no qual está ancorado. Como de costume no teatro popularesco, toda a ação depende da velocidade dos diálogos e das gags. No entanto, as piadas são mal construídas, tanto no tom de suspense quanto na tentativa de ironia. “Agora ficou tudo muito claro... que eu não tenho a menor ideia do que está acontecendo!”, se exclama uma personagem. “Somos todos pilantras! Somos conservadores!”, grita a outra.

Para completar o resultado, a trilha sonora aposta num jazz jocoso e inofensivo, talvez extraído de alguma galeria de efeitos sonoros prontos, e a câmera nunca sabe muito bem para quem olhar, ou quantas pessoas enquadrar na mesma imagem. Consequentemente, a montagem fica perdida, pulando freneticamente de um rosto ao outro e fazendo cortes internos com aparência de erro de decupagem. Não haveria problema algum em apostar nos prazeres simples do whodunit, nem em explorar caricaturas dos ricos se digladiando dentro de uma mansão. Crônicas sociais interessantes podem nascer da clausura, do protagonismo coletivo e da presença do elenco inteiro em cena. Seria possível brincar com as novas alianças, com as brigas entre homens e mulheres, entre herdeiros “de sangue” e aqueles que se casaram com os filhos, entre os mais velhos e os mais novos. A imagem poderia nos fornecer diferentes ações acontecendo dentro de um enquadramento, ou talvez plantar pistas para solucionar mais tarde, convidando o espectador a participar do jogo ao lado dos personagens. Ora, nenhuma destas possibilidades narrativas, estéticas ou discursivas é aproveitada por Foti. Sua brincadeira revela-se de uma superficialidade lamentável, do tipo que não funciona nem na chave do humor, nem pelo aspecto do suspense.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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