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Sinopse

Hellboy é um ser de visual diabólico, resultado do relacionamento entre um demônio e uma temida feiticeira. Entretanto, foi encontrando, ainda bebê, por pessoas bem intencionadas que lhe direcionaram para o caminho do bem.

Crítica

Já visitado na tela grande por duas produções dirigidas por Guillermo Del ToroHellboy (2004) e Hellboy II: O Exército Dourado (2008) – o filhote de demônio criado pelo quadrinhista Mike Mignola ganha agora uma terceira chance de emplacar juntos aos fãs. Oportunidade esta que, pelo que se vê nesse novo Hellboy, o diretor Neil Marshall acaba desperdiçando, mas não pelos motivos imaginados. Afinal, ele até acerta com o personagem – rabugento, feroz, sarcástico, preguiçoso, mal-humorado, poderoso – mas erra em quase todo o resto. E se a ambientação é exageradamente falsa desde as primeiras cenas – que se passam, vejam só, na época do Rei Arthur (sim, aquele mesmo das lendas) – o pior está mesmo no desenrolar dos acontecimentos previstos pelo roteiro de Andrew Cosby, confuso em sua ânsia por acertar os mais diversos alvos, quando mal consegue colocar em pé um fiapo de argumento que se assemelha a uma colcha de retalhos de tudo que já foi visto – e gasto – neste tipo de universo de bruxas e gigantes, demônios e fadas.

Cosby, produtor do policial Dose Dupla (2013) e aqui estreando como roteirista no cinema, após passar pelas séries Haunted (2002-2008) e Eureka (2006-2012), começa a sua versão focando não no protagonista, mas, sim, na vilã interpretada por Milla Jovovich, com direito a todas as caras e bocas que lhe garantiram êxito com a saga Resident Evil. É uma curiosa inversão de valores: a linda ex-modelo marca presença como a personificação do mal, enquanto que o diabo de chifres pontiagudos – ainda que os mantenha serrados na maior parte do tempo – surge como a salvação da humanidade. Ela é Nimue, a Rainha Sangrenta que, como pena por ter traído o Rei Arthur séculos atrás, não chegou a ser morta – pois isso, aparentemente, é impossível – mas foi desmembrada, e cada pedaço do seu corpo foi enterrado em um canto diferente do reino inglês, em urnas protegidas por uma poderosa magia.

Sem muita explicação, no entanto, séculos depois um javali humanoide assume a missão de reunir cada uma dessas partes para colocá-la mais uma vez em ação. Seu motivo? Se vingar de Hellboy, que anos antes o teria humilhado. A consistência desse plano do mal é tão forte quanto as razões que levam o herói avermelhado – agora interpretado, sob muita maquiagem, por David Harbour, aproveitando um pouco do sucesso que a série Stranger Things (2016-) está lhe proporcionando – do México ao Reino Unido, atendendo a um chamado de uma sociedade secreta caçadora de monstros das mais diversas espécies e estaturas, mas que sem muita demora revela ter um outro interesse além do revelado num primeiro momento. Enquanto isso, Hellboy encontra tempo para garantir ao seu lado a companhia de Alice (Sasha Lane, de Docinho da América, 2016), uma médium adolescente, e do major Daimio (Daniel Dae Kim, de Lost, 2004-2010), um militar com umas cicatrizes bastante suspeitas.

Em meio a uma verdadeira salada de referências e efeitos visuais mal-empregados, que pecam pelo excesso e absoluta artificialidade, o diretor Neil Marshall – que já teve dias muito melhores, como no aterrorizante Abismo do Medo (2005) – se ocupa em somar cada vez mais elementos, apenas para logo em seguida os mesmos serem desperdiçados vergonhosamente. Qual o sentido das fadas que roubam bebês? Ou o que deseja a vidente? E o ‘pai’ do Hellboy, interpretado com o carisma de Ian McShane, cujos segredos do passado deveriam ter alguma relevância no presente, mas na hora do aperto se revelam tão irrelevantes quanto todo o resto? Entre uma indicada ao Oscar passando vergonha (a personagem de Sophie Okonedo parece interessante, mas mal consegue sair da promessa) e uma alusão à vampiros latinos tão gratuita quanto o resto, nem mesmo a tentação do mal parece ser um elemento digno de atenção.

Pois, afinal, em uma última instância, é digo que trata esse Hellboy: seguir o seu destino ou se ocupar de traçar seus próprios caminhos? Harbour pode não ter a mesma desenvoltura de Ron Perlman, mas ainda assim é uma das poucas coisas que se salva nessa nova versão – o combate dele contra três ogros gigantescos é, no mínimo, curioso – e por ele, e mais ninguém, aquele que permanecer sintonizado com o que se passa em cena não irá morrer de tédio. Quanto a todo o resto, cabe apenas se contentar que o personagem não foi abandonado em definitivo – e por isso, quem sabe, reste a ele a esperança de viver uma realidade (ou seria uma fantasia?) mais auspiciosa no futuro. Afinal, apesar deste histórico, uma figura como essa merece um tratamento de acordo com o potencial anunciado, e não ser tratada como uma presença descartável e desprovida de interesse.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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