Crítica


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Sinopse

Emma se dá conta de que já está com trinta anos e ainda com muitas dúvidas sobre a vida. As coisas se complicam quando sua melhor amiga pede que seja a madrinha da filha que está prestes a nascer.

Crítica

Era uma vez Emma (Silvia Alonso), uma mulher de trinta anos de idade. Emma não tem um relacionamento estável, nem trabalho fixo, e tampouco consegue manter laços familiares. Ocasionalmente, ela rouba produtos de um supermercado pelo prazer de fazê-lo. Embora tenha escrito um livro para crianças, nunca se imaginou como mãe, nem demonstra carinho especial por bebês. Um dia, sua melhor amiga engravida e escolhe Emma como madrinha – mais do que isso, a protagonista é eleita tutora caso algum acidente aconteça aos pais. A jovem atrapalhada entra em crise devido a esta possibilidade: como ela poderia se tornar mãe de uma hora para a outra? Haveria meios de retardar o parto? Como alimentar e cuidar de bebês? Dentro da estrutura da fábula familiar, Hacerse Mayor y Otros Problemas (algo como “Ser Adulto e Outros Problemas”) brinca de deslocar o centro do conflito: ao invés de a mulher grávida carregar a angústia da maternidade, quem tem a vida transformada pela gravidez é a melhor amiga.

Emma representa uma espécie de anti-heroína que o cinema às vezes gosta de apresentar dentro das comédias românticas. Trata-se de uma mulher amoral e inconsequente, que se relaciona de modo esporádico com homens por quem não está realmente apaixonada, e age de maneira incompreensível, mesmo infantil diante de momentos de crise. Quando pede ao médico que retarde o parto da amiga cuja bolsa já se rompeu, porque Emma ainda não está pronta para lidar com os bebês, ou quando briga com os clientes de uma loja de brinquedos por querer os produtos para si, ela remete às protagonistas imaturas em estilo Bridget Jones, que a direção acredita serem irresistíveis justamente por tantas inadequações ao mundo adulto. Silvia Alonso poderia ser transformada pela direção de fotografia e de arte numa mulher belíssima e sedutora, porém a diretora Clara Martínez-Lázaro faz questão de converter a atriz a cantora no protótipo da mulher comum, de classe média, sem talentos particulares para qualquer atividade. Somos convidados a nos identificar com a amável cleptomaníaca devido ao seu desprezo das regras sociais.

Por basear seu humor e seu drama diretamente nos efeitos da passagem de tempo, chega a surpreender que a comédia espanhola apresente tantas dificuldades de construir elipses via montagem e roteiro. Lola (Bárbara Goenaga) se descobre grávida, e num corte simples que parece remeter ao dia seguinte, aparece com uma barriga imensa. De uma cena para outra, Emma ocupa um novo trabalho, sem sabermos o que houve no emprego anterior. Brigas entre Emma e Lola, ou entre Lola e o marido Gabriel (Franceso Carril) ocorrem de uma hora para outra, sem a trama desenvolver motivos para tal. Amores aparecem e desaparecem num piscar de olhos – vide a interação com Martín (Vito Sanz) – enquanto os bebês são deixados sozinhos sem aviso, e as pessoas mudam-se para as casas umas das outras de uma hora para a outra. Mesmo a colega de quarto de Emma, Lina (Usun Yoon) rouba todos os pertences da casa e foge num pequeno furgão sem que qualquer pessoa chame a polícia. O filme é obcecado pela ideia de furtos e substituições, tanto de objetos quanto de pessoas, em reviravoltas improváveis, semelhantes a truques de mágica.

A estética acompanha este olhar levemente deslocado da norma, ainda que de modo ingênuo. As mulheres liderando esta história estão sempre impecavelmente vestidas e maquiadas, dentro de cenários arrumados e limpos. Emma cuida de três bebês numa cena, e após várias noites mal dormidas, acorda belíssima de sua soneca no sofá. Lola tem um parto complicado de gêmeos prematuros, e termina o dia com a pele linda, seca e os cabelos impecavelmente penteados. Talvez a direção possa ser acusada de assepsia, ou então ela preserve este olhar carinhoso unicamente às mulheres, visto que os homens são enfeados, e reduzidos a figuras patéticas e/ou impotentes.  Mesmo a trilha sonora busca o equivalente do feel good num jazz com traços de ludicidade infantil, e a correção de cor aposta em tons esverdeados ou amarelados demais. A diretora faz questão de ressaltar o caráter dissociado da realidade: embora trabalhe figuras dotadas de falhas universais, o roteiro desloca a verossimilhança para incluir filhotes de porcos, a sedução improvável de um vigia de supermercado e uma aliança Emma-Gabriel que jamais seriam plausíveis dentro do naturalismo. Hacerse Mayor y Otros Problemas (2018) caminha no limiar do conto de fadas às avessas.

O final poderia ser questionado no que diz respeito ao retrato da independência feminina. Após retirar os homens do centro da ação e acenar a diversas possibilidades de autonomia das mulheres, o roteiro faz questão de reatar todos os laços matrimoniais, como se as personagens só pudessem ser felizes ao lado de seus parceiros, maridos e namorados. Lina, Emma e Lola serão forçosamente agrupadas com sujeitos por quem não manifestavam sentimentos reais até então, sabotando ideias realmente subversivas a exemplo da república de mães solteiras, onde uma cuidaria do bebê da outra em registro amigável, ou ainda a investigação da bissexualidade de algumas delas. Na conclusão, este mundo adota contornos convencionais até demais, como se o “Ser Adulto” do título equivalesse a casar e ter filhos. Martínez-Lázaro não sustenta a aparente liberdade de suas mulheres até o fim, mas ao menos acena a possibilidades alternativas de vida em sociedade dentro de um ritmo improvável para o gênero da comédia romântica. Se estas “liberdades” narrativas constituem escolhas deliberadas ou leves erros devido à inexperiência da direção, fica difícil determinar. Para os cinéfilos em busca de experiências leves, talvez o resultado funcione pela maneira improvável de lidar com tantos lugares comuns da feminilidade, da maternidade e do matrimônio.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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