Crítica


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Sinopse

Diante da tarefa de fazer um filme sobre o terrível golpe anglo-americano no Irã em 1953, o cineastas e o montador descobrem um material extraordinário e inédito por mais de 60 anos.

Crítica

O primeiro fator que desperta atenção neste documentário diz respeito ao porte da produção. O diretor Taghi Amirani dispõe de acesso às principais autoridades norte-americanas, britânicas e iranianas diretamente envolvidas no golpe de Estado no Irã em 1953, que levou à implementação de uma ditadura. Assim, conversa com muitas dezenas (uma centena, talvez?) de autoridades, políticos, especialistas e jornalistas, empregando uma quantidade impressionante de fotografias, vídeos, artigos de jornal e relatórios de serviços de inteligência. Quando estes materiais estão faltando, uma animação simulando pintura a óleo se encarrega de representar a guerra sangrenta nas ruas do Teerã. Quando o depoimento gravado de um dos principais organizadores do golpe, Norman Darbyshire, não pode ser localizado pela provável queima do arquivo, o cineasta convida ninguém menos que Ralph Fiennes para interpretá-lo em cena, encenando a partir da transcrição escrita da entrevista real. Cada testemunho se organiza em cenários criados especificamente para o momento, com uso impecável de luz e enquadramentos. Amirani viaja aos hotéis luxuosos onde as autoridades ficaram hospedadas, mergulha nos arquivos secretos e ganha acesso a películas escondidas.

Tamanho aparato resulta numa formidável riqueza de detalhes a respeito do golpe. Muitos filmes se contentariam em abordar os feitos principais, explicados em linhas gerais para garantir o entendimento do público médio. Ora, o cineasta iraniano decide comprovar que dispõe de provas até para os detalhes mais ínfimos. Por isso, a minúcia se torna fundamental nesta exposição. Conhecemos cada uma das dezenas de pessoas envolvidas no esquema, cada passo da articulação dos serviços de inteligência norte-americano e britânico contra o presidente iraniano Mossadegh, o acordo traiçoeiro com o xá, que assumiria o regime após a deposição do líder democraticamente eleito etc. Golpe 53 (2019) se orquestra na forma de um suspense de ritmo acelerado, contendo informações surpreendentes a cada cinco minutos, além de vinhetas musicais para gerar tensão, no ritmo de um “arquivo confidencial” repleto de emocionantes segredos de Estado. O ritmo se assemelha a uma ficção, graças à priorização das sensações em detrimento da reflexão. Para os espectadores que desconheçam as dezenas de nomes e datas citados, a exposição impressionará por si só, enquanto ferramenta retórica cujo valor consiste em sua própria existência. Em outras palavras, talvez grande parte do público seja incapaz de contestar aquelas informações, mas elas definitivamente despertam admiração.

O espetáculo do jornalismo investigativo jamais dissipa a impressão de uma obra vaidosa. Na cena inicial, Amirani revela trechos de seu TED Talk, quando já anunciava a vontade de realizar o projeto. Ele enuncia seu currículo à câmera (30 anos de experiência em documentários) e inclui a si mesmo na maioria das cenas, conversando com especialistas ou descobrindo caixas de papéis secretos de algum diplomata ou pesquisador. O cineasta está tão interessado em revelar o resultado explosivo de suas descobertas quanto em comprovar o quão difícil foi obtê-las. Assim, os extensos 120 minutos de narrativa se dedicam a múltiplas cenas com Amirani perdido entre pilhas colossais de relatórios escondidos, cartas oficiais, cenas cortadas de filmes, películas guardadas e fotografias esquecidas. Ele faz questão de ressaltar o esforço necessário para chegar a tal resultado, colocando a si mesmo enquanto pesquisador central. A montagem insere diversos fragmentos em que os entrevistados o parabenizam pela profundidade de suas descobertas. O diretor não possui qualquer modéstia ao afirmar, na introdução, que o filme “irá revelar a história que realmente aconteceu”, antes de prometer “uma prova com potencial de virar um capítulo sombrio da História pelo avesso”.

Para além do teor de “furo de reportagem”, há Ralph Fiennes. A presença do ator seria os sonhos de muitos diretores de ficção, no entanto, sua participação dentro de documentário tão apegado à precisão dos fatos soa como uma extravagância – o cineasta contrata o britânico porque tem o poder de fazê-lo. O ator interpreta Norman Darbyshire com um misto de arrogância e deboche, reforçando o olhar baixo, o corpo afundado numa poltrona, permitindo certos sorrisos de canto de lábio. Talvez esta postura corresponda à figura do homem que coordenou o golpe, que sabe? De qualquer modo, cada vez que a narrativa retorna ao depoimento encenado, a impressão de verossimilhança da pesquisa se esvai em nome do espetáculo. Em paralelo às gravações antigas, em película, contendo entrevista de senhores envelhecidos com sotaque de antigamente, os trechos com Fiennes, contemporâneos e em textura digital, soam como uma brincadeira. Jamais se enxerga Darbyshire ali, apenas o astro efetuando uma leitura comprometida, buscando se passar por um agente secreto plausível, porém sabotado pela estrutura que nunca para de apontar sua artificialidade. A escolha do ator prejudica em muito a fluidez da exposição fatual.

Ao final, Golpe 53 se destaca tanto pela ambição do trabalho investigativo quanto pelo teor escandaloso com que as descobertas são apresentadas. Aventurando-se por um período da História pouco conhecido pela comunidade internacional, o cineasta busca inspiração nas ferramentas hollywoodianas para garantir adesão à pesquisa de arquivo que, em outras mãos, poderia se tornar entediante. Resta crer, no entanto, na possibilidade de tornar o conteúdo acessível sem tantas intervenções de natureza retórica, que em certos aspectos remetem ao estilo narcisista de Michael Moore e outros “justiceiros” de cinema documentário. Enquanto critica uma versão oficial apresentada como verdadeira e única, Amirani não se priva de percorrer um caminho idêntico, apresentando outra verdade absoluta. Ora, a História se constrói pelo encontro de diversas leituras, pelo acúmulo de conhecimentos e pela multiplicidade de pontos de vista. Ao invés de convidar o espectador a refletir por conta própria, o filme lhe diz exatamente o que pensar, quem desprezar e quem apoiar. Teria sido interessante apostar num posicionamento mais ativo do interlocutor.

Filme visto no 25º É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários, em setembro de 2020.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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