Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague

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Sinopse

Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague celebra os 50 anos do movimento. O filme relembra a apresentação de Os Incompreendidos no Festival de Cannes em 1959 e a criação de Acossado (1960). Assim, mostra o nascimento do grupo que mudou a forma de se fazer cinema na França e revelou ao mundo dois dos maiores cineastas de todos os tempos. Documentário.

Crítica

A Arte da Comparação“. Deixando de lado o que o termo tem de pejorativo, Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague consegue ser didático sem ser simplório, profundo sem ser complexo. É provavelmente o mais relevante retrato histórico desse encontrotrans que se situa como a mais decisiva mudança cinematográfica depois da substituição do cinema mudo e do preto e branco.

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Diferente da literatura e de como alguns gostariam, o cinema é a arte da cooperação. Mais de cem anos depois da data do seu surgimento, é impossível contarmos sua trajetória sem nos referirmos a uma série de encontros. Parcerias como as de Alfred Hitchcock e Cary Grant; Elia Kazan e Marlon Brando; Josef von Sternberg e Marlene Dietrich; Federico Fellini e Marcello Mastroianni; Sergio Leone e Clint Eastwood; Martin Scorsese e Robert De Niro foram decisivas não apenas para o espectador, mas também para a própria história da sétima arte.

Apesar de pouco conhecido, o encontro fundamental se deu no dia 28 de dezembro de 1895 durante aquela que se considera a primeira exibição pública do cinema, quando o mágico Georges Méliès foi desencorajado por Lumière a adquirir um cinematógrapho, pois o aparelho não tinha nenhum futuro como espetáculo. Depois do episódio e do óbvio equívoco de Lumière, entre oscilações ideológicas na busca por identidade, o cinema trilhou um caminho de modificações técnicas, enquadrou-se em parâmetros que o fizeram moldar-se social e profissionalmente; ao mesmo tempo em que se estabelecia pouco a pouco como indústria, refinando-se instrumentalmente. Se neste primeiro momento o interesse, ainda que distinto, destes dois franceses foi essencial para que a sequência de fotos projetadas no teatro de Paris fosse aprimorada incessantemente na busca pela reprodução exata do real – desejo ainda a perturbar nossos contemporâneos que, entre as arrecadações significativas dos filmes em três dimensões, buscam a quebra absoluta do distanciamento – nenhuma outra parceria foi tão marcante quanto a que se daria praticamente cinqüenta anos mais tarde.

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Foi na Rua Danton, endereço no Quartier Latin em que se localizava o cineclube dirigido por Maurice Henri Joseph Schérer, mais conhecido por Éric Rohmer, que se conheceram pela primeira vez Jean-Luc Godard e François Truffaut. Separados somente por dois anos, suas vidas em nada se assemelhavam. Filho de pais protestantes, intelectualizados e bem estruturados financeiramente, Godard absorvera todo conhecimento que a condição da família e o interesse poderiam proporcionar. Truffaut, por sua vez e como muitos de sua geração – inclusive Rohmer, que voltou-se ao cinema tardiamente – aspirava mais do que lhe permitiam alcançar. Por isso, fez com que a incompatibilidade com os pais e a infância rebelde, biografia somente um pouco mais amena que a do realizador francês Jean Vigo, não somente se transformasse nos seus melhores ensinamentos, mas que pudesse extrair daí boa parcela de sua arte, criando obra tão significativa e revolucionária quanto Os Incompreendidos (Les Quatre Cents Coups, 1959), vencedora do prêmio Meliès e da melhor direção no Festival de Cannes, em 1959.

Ainda do cineclube de Rohmer, e de sua proposta apresentar a maior quantidade possível de filmes sem ater-se a nenhuma preferência, surgiu La Gazette du Cinéma, boletim informativo que servia de registro às produções exibidas e contava, entre seus colaboradores, com o jovem Godard. Alguns anos depois, sobre as tutelas de Jacques Doniol-Valcroze e de André Bazin, o mais importante crítico de cinema francês – e possivelmente o mais influente do mundo – nascia a Cahiers du Cinéma, revista que marcou época pela qualidade do corpo crítico e beligerância no posicionamento de seus artigos, assim como por ser o espaço que propiciou a um grupo de realizadores a articulação de diretrizes ideológicas e estéticas que revolucionariam a arte cinematográfica atendendo pelo nome de Nouvelle Vague: a Nova Onda do cinema francês.

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A verdade é que não se pode compreender o cinema como um todo sem conhecer o que se passou na França a partir dos anos cinquenta e a renovação que esse pensamento gerou no mundo cinematográfico. Nesse sentido, o até então produtor Emmanuel Laurent nos presta um grande favor ao assinar sua primeira direção em Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague, documentário não somente indicado, mas necessário para qualquer cinéfilo. Durante os 90 minutos de filme, Laurent estrutura de forma articulada as principais relações que se estabeleceram ainda momentos antes do lançamento de Os Incompreendidos (1959). Baseando sua narrativa na coleta de material histórico como cartas, reportagens dos variados periódicos da época e intercalando a narração com passagens dos principais filmes do movimento, nos aproximamos de uma verdadeira aula de cinema. Para conseguir concisão e não esparramar pela tela um amontoado de informações relacionadas e não necessariamente ligadas, Laurent constrói um triângulo central, que, acertadamente, é a base do movimento. Tendo por pilares François Truffaut, Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Léaud, ator símbolo da Nova Onda, o filme desenvolve as relações que aproximaram e afastaram os protagonistas dessa histórica. Trata com propriedade das visões de cinema do início da carreira dos dois diretores, as posturas frente aos personagens encarados por Léaud e, a partir de determinado momento, da cisão ideológica entre ambos. Do diálogo ao silêncio, do amor ao ódio, o documentário explora em François e Jean-Luc o radicalismo impositivo da gênese do cinema francês.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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Willian Silveira
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Chico Fireman
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