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Sinopse

Gloria é uma mulher solitária de 58 anos, cujos filhos já saíram de casa há algum tempo. Como se recusa a ficar sozinha em casa às noites, ela tem o hábito de ir a bailes dedicados à terceira idade. Lá ela conhece vários homens, com os quais costuma se empolgar e, tempos depois, se decepcionar. A situação muda quando conhece Rodolfo, um ex-oficial da Marinha que é sete anos mais velho do que ela. Gloria se apaixona por ele e passa até mesmo a aspirar um relacionamento permanente, mas logo é obrigada a confrontar alguns dos seus segredos mais obscuros.

Crítica

Uma mulher em busca de si mesmo. Assim pode ser descrita a personagem principal de Gloria, drama chileno escrito e dirigido por Sebastián Lelio. O roteiro, também de co-autoria de Gonzalo Maza, só não é o maior mérito desta obra graças ao estupendo desempenho da protagonista Paulina García, merecidamente vencedora do Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim, na Alemanha, e também premiada no Festival Internacional de Cinema do Hawaii, nos EUA. O longa, eleito um dos cinco melhores estrangeiros do ano no National Board of Review e premiado nos festivais de San Sebástian e Palm Springs, é conduzido com segurança e bastante coragem pelo realizador, que é sábio em abrir espaço para que sua intérprete tome conta da cena e entregue o seu melhor, amparada por um texto preciso e por um viés simples, porém nunca simplório.

Gloria é uma mulher já nos seus cinquenta anos que luta para sair de uma fase de imobilidade social. Separada, não consegue se conectar com os filhos já adultos e nem com o trabalho, o qual toca de maneira burocrática. Sua válvula de escape são bailes para terceira idade, aos quais comparece com certa regularidade. O cenário lembra um pouco o nacional Chega de Saudade (2007), porém sem tanta complacência, ou o inglês Eu, Anna (2012), mas sem mistério ou reviravoltas. E entre um encontro infrutífero e outro, ela seguirá à espera de alguém que lhe faça companhia e lhe traga, com sorte, alguns momentos de alegria. Não se trata, é preciso destacar, de uma personagem feminina fragilizada, que precisa se completar com uma presença masculina de efeito. Não, pelo contrário. Ela está bem, está viva, é sexy, tem noção do seu poder de sedução e de tudo que a vida ainda pode lhe oferecer. Só não está disposta a ficar sentada em casa sozinha, cuidando do gato do vizinhs, esperando por uma mudança que, por si só, não virá. Sabe que precisa fazer sua parte, e não tem medo de enfrentar os desafios dessa jornada.

Sua história começa a mudar quando conhece Rodolfo (Sergio Hernández, de No, 2012), um homem em situação similar à dela. O que os aproxima, no entanto, logo tratará de afastá-los. Ele também está separado e com duas filhas já adultas, porém nada acontece por acaso. E, a partir do momento em que começam a conviver um com outro, ela passará a entender os motivos de sua condição solitária. Sem se conseguir se desprender por completo da antiga família, ele ficará perdido entre o caminho que afirma buscar – aquele que Gloria lhe acena com entusiasmo – e o retrocesso que pensou conseguir se libertar – em muito provocado por sua própria postura fraca enquanto pai e marido. É quando a história se inverte, o homem assume o papel de fragilizado, que busca uma mulher que lhe dê sentido, enquanto essa procura por um companheiro, alguém que venha a somar, e não servir como um peso morto que ainda lhe atrase.

Desprovida de maiores vaidades e munida de um forte trabalho de composição de personagem, Paulina García faz de sua Gloria uma mulher não desprovida de pecados, mas a qual conseguimos nos identificar com suas falhas e, mesmo assim, torcer por sua felicidade. Assim como um país que não se entrega diante das mais evidentes adversidades, Gloria é um filme iluminado que insiste em tratar de forma absolutamente humana todos os envolvidos, em ambos os lados da tela. Aqui não há distrações, apenas a vida exatamente como ela é, literalmente desnuda de artifícios ou adereços que até encantam, mas não se comprometem. E se em Águas de Março a frustração irá calar fundo, quando as primeiras notas de Gloria começam a tocar, tudo o que restará e levantar a cabeça e seguir dançando. Afinal, só os fortes sobrevivem.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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