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Sinopse

Gabriel Buchmann tinha um grande sonho: conhecer a África. Entretanto, mais do que visitar seus pontos turísticos, ele desejava conhecer como era o estilo de vida do africano, sem se passar por turista. Desta forma, decide encerrar sua viagem ao mundo justamente no continente, onde se envolve com vários habitantes locais e recebe a visita da namorada, Cristina, que mora no Brasil. Prestes a retornar, seu grande objetivo se torna alcançar o topo do monte Mulanje, localizado no Malawi.

Crítica

Gabriel (João Pedro Zappa) surge já morto no belíssimo plano-sequência inicial de Gabriel e a Montanha, descoberto por trabalhadores do Monte Mulanje, um dos mais altos do Malawi. O trajeto que a câmera percorre, registrando do processo manual de extração ao descobrimento do cadáver sob a égide de uma grande pedra, é de pura contemplação. Desse ponto em diante, o cineasta Fellipe Barbosa constrói um périplo bastante pessoal, afinal de contas sua realização se baseia na história do amigo que realmente desbravou boa parte do território africano até perecer num espaço inóspito e traiçoeiro. O que sobressai nesses momentos inaugurais é a disposição do protagonista a misturar-se com os nativos, refutando o status de turista, inclusive revertendo boa parte de seu dinheiro às pessoas que o acolhem e o alimentam exatamente como igual. Há um fundo ideológico/existencial nessa negação da exploração do território alheio como espaço puramente pitoresco, a ser apenas fotografado.

Num esforço de produção certamente hercúleo, o cineasta visitou os lugares por onde seu amigo passou, utilizando as pessoas com quem ele interagiu como intérpretes de si mesmos. João Pedro Zappa se mistura de maneira competente com essa gente que factualmente fez parte da vida de Gabriel, o que confere ao longa-metragem a possibilidade de aproximar-se com mais fidedignidade da realidade. O tom emocional se torna espesso por ventura dos depoimentos em off que entrecortam as imagens, especialmente as de despedida e deslocamento, relatos da importância da passagem do brasileiro por comunidades pobres e hospitaleiras em semelhante medida. Todavia, a experiência essencialmente antropológica que norteia Gabriel e a Montanha sofre uma quebra sensível com a chegada da namorada de Gabriel, Cristina (Caroline Abras), a partir da qual o filme toma rumos distintos, incorrendo em abordagens dissonantes, praticamente alheias às geografias singulares da África profunda.

Antes visto enquanto homem branco intimamente interessado pelas causas do continente, Gabriel passa a externar uma conduta instável, mais ordinária do que poderia se supor tendo como base sua jornada pregressa de autoconhecimento. Exemplo disso, a cena longa do casal discutindo acerca, primeiro, do ciúme dele em relação ao colega brasileiro de quarto, e, segundo, a respeito das possíveis contradições comportamentais de quem, caso seguisse o caminho dos amigos, estaria infeliz ganhando dinheiro com a bolsa de valores. A presença de Cristina desloca a rota de Gabriel, transformando-o efetivamente em turista, ou seja, em tudo o que antes refutara. Fazem parte desse interlúdio contraproducente as hospedagens em hotéis, os safáris com direitos a discussões ferrenhas por divergências monetárias, as paradas em locais paradisíacos, e por aí vai. Gabriel e a Montanha perde a sua essência de investigação humana, fragilizado especialmente pela inclinação à mera exposição, não à perscrutação.

Embora seja reconhecível o esforço de Fellipe Barbosa para não edulcorar a figura do amigo, sem com isso deixar de olha-lo com carinho, determinados procedimentos, tais como expostos na telona, deixam margem à irremediável antipatia do público. São várias sequências em que testemunhamos atitudes arrogantes de Gabriel, inclusive a que culmina com sua morte. O cineasta não consegue extrair dessa aparente contradição – pois o personagem, inicialmente, é disposto a tudo para integrar-se – algo relevante para tornar o relato ainda mais multifacetado. Não são poucos os instantes em que Gabriel trata guias e congêneres como ignorantes ou preguiçosos (adjetivo, este, utilizado, pelo menos, duas vezes diretamente). Claro, são mais volumosas e fortes as sequências em que o afeto entre o protagonista e seus benfeitores/anfitriões constitui um verdadeiro intercâmbio cultural. Pena que o desenvolvimento da bonita caminhada rumo à inevitável tenha solavancos tão significativos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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