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Sinopse

Jornalista que precisa lidar diariamente com as disputas profissionais e a conturbada vida familiar, France de Meurs tem seu mundo virado do avesso depois de ferir acidentalmente um pedestre durante um acidente de trânsito.

Crítica

Em France: Sob os Holofotes, France de Meurs (Léa Seydoux) ocupa a função de jornalista estrela: ela comanda o programa político mais popular do país, é reconhecida por todas as partes e constitui a personalidade preferida da família tradicional sentada no sofá de casa. A jovem demonstra certa preocupação com os problemas do mundo, mas no limite em que não precise se posicionar politicamente. “Afinal, você é de direita ou de esquerda?”, pergunta uma fã. “E isso importa?”, ela responde. Nos cenários de guerra, dirige os líderes armados para obter ângulos expressivos e os planos que, na montagem, possam transmitir o efeito de perigo ou exotismo. A repórter habita o mundo das imagens nos diversos sentidos do termo: ela produz gravações a partir do real, vive da aparência de intelectual corajosa, gerencia sua popularidade via redes sociais. A “França dos Costumes”, tradução literal de seu nome, é vaidosa, atraente, inquieta com a opinião dos outros e disposta a interferir em regiões árabes distantes, contanto que isso lhe renda pontos na audiência. Não é difícil enxergar uma metáfora da França atual em pseudo crise de consciência a respeito do papel intervencionista, entre outros, nas nações africanas. Trata-se de uma nação meio progressista, meio hipócrita, representada pela cena inicial com o presidente de centro-direita Emmanuel Macron.

O diretor Bruno Dumont se aventura por um território delicado nesta sátira política próxima demais da realidade. Conhecido pelos potentes dramas a respeito da religião e a filosofia, ele tem tateado um terreno irregular em suas comédias de pretensão popular. Desta vez, contrata uma das atrizes mais famosas da França para representá-la, numa trama repleta de reviravoltas, cenas e cenários, superando as duas horas de duração. Os alvos são incontáveis: a mídia exploradora, os políticos cínicos, a dependência das redes sociais, o passado colonialista, a pobreza do debate político, o mea culpa burguês a respeito da exploração dos cidadãos à margem, a prática de um audiovisual do espetáculo etc. De modo geral, o cineasta enxerga uma geração voltada à vacuidade e à deturpação do real, focada em sucessos e fracassos instantâneos, e marcada por um sentimento de vazio. Apesar da obsessão pelo sexo, tem poucas relações sexuais e desconhece o gozo. A França dos Costumes está depressiva porque, apesar de ter um casarão, dinheiro, fama e beleza, ainda não encontrou a felicidade. Depois de abordar as classes populares com respeito, Dumont vira-se com escárnio à dura vida dos brancos ricos.

O projeto oferece analogias ora interessantes, ora óbvias. A sequência no país árabe indefinido, apresentando a diferença entre a versão montada da reportagem e a captação fantasista provoca boas risadas, assim como a “lacração" na coletiva de imprensa, onde aparentar corajoso possui maior valor do que comprovar tal bravura. Blanche Gardin, humorista habituada ao stand-up e o improviso, converte-se em sidekick cômica ao lado da protagonista melancólica, que esconde suas dores por trás de intensa maquiagem e figurinos luxuosos. No entanto, o casamento falido com um escritor medíocre (Benjamin Biolay), um caso extraconjugal e as implicações do acidente de carro surtem efeito efêmero no resultado. A montagem coloca ênfase em episódios independentes enquanto ignora os anteriores: durante o trecho do atropelamento, foca-se apenas nesta questão, deixando a crise familiar em suspenso. Adiante, uma tragédia grave chega de lugar algum, e se esquece numa elipse acelerada. Paira a estranha impressão de que o longa-metragem está correndo para apresentar a próxima guinada (a fama da apresentadora, a decadência, o retorno, a desistência, a nova volta), sem que isso surta efeito duradouro na narrativa. Dumont opera na mesma chave momentânea que critica.

O roteiro transmite a impressão de ser inchado demais e de girar a esmo. Talvez o status do autor tenha impedido a pressão de produtores por uma versão concisa desta travessura vaidosa. No terço final, o texto soa indeciso quanto à hora de se encerrar e a mensagem que deseja transmitir. France poderia habitar uma série de televisão, onde diferentes episódios pudessem comportar melhor suas aventuras independentes. Embora sejam claras, as críticas políticas oferecem poucos elementos relevantes para além da óbvia paródia da contemporaneidade. Assim, as cenas carecem de potência dentro do conjunto, ou soam exageradamente luxuosas para sua magra proposta cênica (vide a tragédia em moldes hollywoodianos a dois terços da história e o jantar com veneráveis defensores do capitalismo). Ao invés de apostar na representação das vaidades mundanas, o cineasta se dedica a apreendê-las em registro próximo do imaginário coletivo. Faltam metáforas, respiros, subversões de forma e ritmo dentro do longo percurso da jornalista pela nobreza político-midiática francesa. Em sua literalidade, a narrativa resulta excessivamente referencial - exagerada por vontade própria, sem dúvida, porém incapaz de se descolar do referente.

No papel principal, Léa Seydoux diverte nas sequências cômicas e comprova a habilidade para as sequências dramáticas. Em contrapartida, Dumont prefere reduzi-la a uma versão juvenil e carente da celebridade pós-moderna. Apaixonado pela fotogenia da intérprete principal, multiplica os close-ups em uma dezena de cenas de choro que, pela repetição, perdem a potência e o impacto emocional - seria esse o objetivo? Momentos de humor caricatural (a conversa que vai ao ar por acaso, a menção a Angela Merkel) têm dificuldade de conviver com o humor do incômodo e, por fim, com o drama real do motociclista atropelado, da criança negligenciada, dos soldados árabes. O filme poderia escolher um tema e esmiuçá-lo em suas diversas vertentes, porém o cineasta faz o percurso inverso, abrindo-se ao máximo de alvos possível. Como poderia se esperar, atinge alguns e passa longe em tantos outros. A brincadeira desequilibrada desperta a impressão de que os criadores tentaram condensar três ou quatro longas-metragens diferentes numa proposta só. Quem sofre com este conceito disperso é a montagem, incapaz de ordenar o caos. Ela tenta fazer da dispersão sua premissa assumida, com sucesso moderado.

Filme visto na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2021.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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